sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

“Uma análise das crenças e atitudes lingüísticas dos falantes do Oeste do Paraná”.


Este artigo é uma autoria de Sanimar Busse, Graduada em Letras pela Universidade Federal de Sergipe e Mestranda em Letras pela mesma universidade e; de Raquel Meister Freitag, Graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre e doutora em Lingüística pela mesma universidade. Neste trabalho foram analisados dados coletados por meio de questionário metalingüístico com informantes de Guaíra, Assis Chatoubriand e Santa Helena.
O trabalho é resultado de estudos sobre crenças e atitudes lingüísticas a partir de dados colhidos e analisados na fala no Oeste do Paraná, marcado pela homogeneidade ética e cultural e na crença dos imigrantes europeus de criar no Brasil a vida e a cultura da terra natal e principalmente através de descendentes gaúchos e catarinenses que vieram colonizar a região. Desta maneira, a língua, assim como outros aspectos da cultura, tornou-se um elemento de ligação com a pátria mãe, seja na Europa ou Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O modo como os falantes concebem o outro em seu cotidiano pode ser percebido, por exemplo, por meio de fenômenos da variação lingüística, contanto que se perceba, por meio da fala, como são externadas ações e “representações” sociais e culturais da comunidade. Ao tornarmos a língua como um conjunto estruturado, no qual estão representadas as relações sociais e organização dos grupos, reconhecemos que ela é determinada pelas condições de existência do homem no tempo e no espaço, e que, quanto à sua composição, organização e uso, a fala é resultado da relação dinâmica entre os elementos internos e externos da língua.
Uma perspectiva basicamente laboviana, pode-se dizer que a concepção de língua como sistema socialmente determinado e heterogêneo, cuja variação estrutural está relacionada aos contextos cultural, social e histórico, rompe com a crença de sistema homogêneo e autônomo, colocando na dianteira das pesquisas lingüísticas o olhar sobre a organização das sociedades e a língua como elemento que reflete e orienta essa organização. Configura-se, portanto, entre língua e sociedade uma relação dinâmica de determinação em que a fala direcionada pelo jogo e relações de poder e prestígio entre os grupos.
            A sobreposição entre língua e cultura realiza-se, nos contextos multilinguísticos, a partir da convivência entre as formas ou a partir da concorrência e adoção de elementos diferentes. Essa realidade polimórfica linguístico-cultural é resultado das complexas e dinâmicas relações mantidas entre os grupos e é determinada por fatores de ordem social e filtrada pelas crenças e atitudes dos falantes. Com relação ao Oeste e Sudoeste do Paraná, a região é marcada pela Tríplice Fronteira e há ilhas lingüísticas resultantes do processo de imigração e emigração, com a presença de colônias indígenas até hoje não reconhecidas devidamente em seu aspecto cultural.
Um olhar para os dados históricos já registrados sobre a colonização moderna do Oeste Paranaense será suficiente para identificar o papel dos colonos sulistas, com seu também histórico anterior, notadamente vinculado ao processo de imigração do próprio país, o papel dos grupos do Norte e da Região Central do Paraná, regiões sudeste e nordeste do Brasil. A manutenção de traços dos grupos colonizadores (catarinense e gaúcho) e a adoção de variantes dos grupos de migração recente resultam em ambientes lingüísticos complexos, em que as formas alternam e desenham áreas multiculturais, de um lado, e ilhas lingüísticas de outro.
Segundo BUSSE (2010), entre os elementos que colaboram para a complexidade dinâmica entre línguas e falantes presentes nas comunidades, podemos citar os econômicos (formação de latifúndios, mecanização da produção agrícola, êxodo rural, formação de centros urbanos, construção da usina hidrelétrica de Itaipu, formação do lago de Itaipu e inundação de grandes extensões de terras, entre outros) e os sociais (mão de obra necessária para o trabalho na agricultura, que passou da produção familiar para a formação de pequenos latifúndios, a vinda de operários para trabalhar na construção da Itaipú, o comércio que se desenvolvia na região na fronteira com Paraguai e Argentina e a formação de pólos na área de saúde e educação).
            No contexto da região Oeste, podemos observar a formação, desde a década de 60, de ilhas lingüísticas, com a presença de colonos sulistas, descendentes de imigrantes europeus (alemães e italianos), e uma área periférica, em que se concentraram grupos advindos de diferentes regiões Paraná, Sudeste e Nordeste do Brasil.
            As características geográficas históricas da região Oeste favorecem sobremaneira uma análise da fala pautada na interface etnográfica. Os movimentos de colonização dos Colonos sulistas na década de 1960 e de outros grupos a partir de 1970 podem ser apontados como responsáveis pelo polimorfismo na fala paranaense, com destaque para áreas de maior conservação cultural e formação de ilhas lingüísticas. Pesquisas geolinguísticas realizadas sobre a fala no Paraná e no sul do Brasil (Aguilera, 1994; Mercedes, 1993; Altino, 2007; Busse, 2010) registram áreas em que se mantêm traços da fala dos Estados de origem dos primeiros moradores (Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e a formação de zonas de transição lingüística, em que se constata adoção de formas da fala de grupos de outras regiões do Paraná e do Brasil.
O sentimento e a crença dos antepassados que colonizaram o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, de recriar nas terras brasileiras a vida deixada na Europa levaram os primeiros moradores, motivados pelo objetivo de formar núcleos culturais homogêneos, a se instalarem na região Oeste Paranaense. A língua, assim como outros aspectos da cultura, foi o elemento de ligação com a terra deixada para trás. À medida que o falante foi se adaptando aos costumes da região, foi incorporando ao falar marcas de um sotaque tido uma marca regional. Assim verifica-se uma descrição do comportamento dos falantes que incorporam na fala as variantes da localidade.
O estudo serve de mote inicial para o questionamento sobre a concepção já marcada relativamente à colonização de descendentes alemães ou italianos no Oeste do Paraná. O que se tem é uma região marcada também por migrações tidas no interior do próprio Estado e, pelos contornos fronteiriços não somente ditados pela Tríplice Fronteira, mas também pela fronteira com o Mato Grosso do Sul e as miscigenações com mineiros e paulistas.
            Fica a impressão de que há um movimento de assimilação cultural, porque nas falas apresentadas os falantes demonstram terem se adaptado ao falar já existente. Esta pode ser um indício de que a sensibilidade ao multiculturalismo rende também aceitação da diversidade da língua, no nível fonético-fonológico, semântico-lexical e morfossintático de um português miscigenado, fruto de encontro de culturas, línguas e falares.

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