Este
artigo é uma autoria de Sanimar Busse, Graduada em Letras pela Universidade
Federal de Sergipe e Mestranda em Letras pela mesma universidade e; de Raquel
Meister Freitag, Graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa
Catarina, mestre e doutora em Lingüística pela mesma universidade. Neste
trabalho foram analisados dados coletados por meio de questionário metalingüístico
com informantes de Guaíra, Assis Chatoubriand e Santa Helena.
O
trabalho é resultado de estudos sobre crenças e atitudes lingüísticas a partir
de dados colhidos e analisados na fala no Oeste do Paraná, marcado pela homogeneidade
ética e cultural e na crença dos imigrantes europeus de criar no Brasil a vida
e a cultura da terra natal e principalmente através de descendentes gaúchos e
catarinenses que vieram colonizar a região. Desta maneira, a língua, assim como
outros aspectos da cultura, tornou-se um elemento de ligação com a pátria mãe,
seja na Europa ou Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O
modo como os falantes concebem o outro em seu cotidiano pode ser percebido, por
exemplo, por meio de fenômenos da variação lingüística, contanto que se perceba,
por meio da fala, como são externadas ações e “representações” sociais e
culturais da comunidade. Ao tornarmos a língua como um conjunto estruturado, no
qual estão representadas as relações sociais e organização dos grupos,
reconhecemos que ela é determinada pelas condições de existência do homem no
tempo e no espaço, e que, quanto à sua composição, organização e uso, a fala é
resultado da relação dinâmica entre os elementos internos e externos da língua.
Uma
perspectiva basicamente laboviana, pode-se dizer que a concepção de língua como
sistema socialmente determinado e heterogêneo, cuja variação estrutural está
relacionada aos contextos cultural, social e histórico, rompe com a crença de
sistema homogêneo e autônomo, colocando na dianteira das pesquisas lingüísticas
o olhar sobre a organização das sociedades e a língua como elemento que reflete
e orienta essa organização. Configura-se, portanto, entre língua e sociedade
uma relação dinâmica de determinação em que a fala direcionada pelo jogo e
relações de poder e prestígio entre os grupos.
A sobreposição entre língua e cultura realiza-se, nos
contextos multilinguísticos, a partir da convivência entre as formas ou a
partir da concorrência e adoção de elementos diferentes. Essa realidade
polimórfica linguístico-cultural é resultado das complexas e dinâmicas relações
mantidas entre os grupos e é determinada por fatores de ordem social e filtrada
pelas crenças e atitudes dos falantes. Com relação ao Oeste e Sudoeste do
Paraná, a região é marcada pela Tríplice Fronteira e há ilhas lingüísticas
resultantes do processo de imigração e emigração, com a presença de colônias indígenas
até hoje não reconhecidas devidamente em seu aspecto cultural.
Um
olhar para os dados históricos já registrados sobre a colonização moderna do
Oeste Paranaense será suficiente para identificar o papel dos colonos sulistas,
com seu também histórico anterior, notadamente vinculado ao processo de imigração
do próprio país, o papel dos grupos do Norte e da Região Central do Paraná, regiões
sudeste e nordeste do Brasil. A manutenção de traços dos grupos colonizadores (catarinense
e gaúcho) e a adoção de variantes dos grupos de migração recente resultam em
ambientes lingüísticos complexos, em que as formas alternam e desenham áreas
multiculturais, de um lado, e ilhas lingüísticas de outro.
Segundo
BUSSE (2010), entre os elementos que colaboram para a complexidade dinâmica entre
línguas e falantes presentes nas comunidades, podemos citar os econômicos (formação
de latifúndios, mecanização da produção agrícola, êxodo rural, formação de
centros urbanos, construção da usina hidrelétrica de Itaipu, formação do lago de
Itaipu e inundação de grandes extensões de terras, entre outros) e os sociais (mão
de obra necessária para o trabalho na agricultura, que passou da produção
familiar para a formação de pequenos latifúndios, a vinda de operários para trabalhar
na construção da Itaipú, o comércio que se desenvolvia na região na fronteira
com Paraguai e Argentina e a formação de pólos na área de saúde e educação).
No contexto da região Oeste, podemos observar a formação,
desde a década de 60, de ilhas lingüísticas, com a presença de colonos sulistas,
descendentes de imigrantes europeus (alemães e italianos), e uma área
periférica, em que se concentraram grupos advindos de diferentes regiões Paraná,
Sudeste e Nordeste do Brasil.
As características geográficas históricas da região Oeste
favorecem sobremaneira uma análise da fala pautada na interface etnográfica. Os
movimentos de colonização dos Colonos sulistas na década de 1960 e de outros
grupos a partir de 1970 podem ser apontados como responsáveis pelo polimorfismo
na fala paranaense, com destaque para áreas de maior conservação cultural e
formação de ilhas lingüísticas. Pesquisas geolinguísticas realizadas sobre a fala
no Paraná e no sul do Brasil (Aguilera, 1994; Mercedes, 1993; Altino, 2007;
Busse, 2010) registram áreas em que se mantêm traços da fala dos Estados de
origem dos primeiros moradores (Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e a
formação de zonas de transição lingüística, em que se constata adoção de formas
da fala de grupos de outras regiões do Paraná e do Brasil.
O sentimento
e a crença dos antepassados que colonizaram o Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, de recriar nas terras brasileiras a vida deixada na Europa levaram os
primeiros moradores, motivados pelo objetivo de formar núcleos culturais homogêneos,
a se instalarem na região Oeste Paranaense. A língua, assim como outros
aspectos da cultura, foi o elemento de ligação com a terra deixada para trás. À
medida que o falante foi se adaptando aos costumes da região, foi incorporando
ao falar marcas de um sotaque tido uma marca regional. Assim verifica-se uma
descrição do comportamento dos falantes que incorporam na fala as variantes da
localidade.
O
estudo serve de mote inicial para o questionamento sobre a concepção já marcada
relativamente à colonização de descendentes alemães ou italianos no Oeste do
Paraná. O que se tem é uma região marcada também por migrações tidas no
interior do próprio Estado e, pelos contornos fronteiriços não somente ditados
pela Tríplice Fronteira, mas também pela fronteira com o Mato Grosso do Sul e
as miscigenações com mineiros e paulistas.
Fica a impressão de que há um movimento de assimilação
cultural, porque nas falas apresentadas os falantes demonstram terem se adaptado
ao falar já existente. Esta pode ser um indício de que a sensibilidade ao
multiculturalismo rende também aceitação da diversidade da língua, no nível
fonético-fonológico, semântico-lexical e morfossintático de um português miscigenado,
fruto de encontro de culturas, línguas e falares.
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