sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Música Popular e transformação social (Por Aldo Moraes)


A música popular brasileira, além dos seus méritos rítmicos, melódicos, harmônicos e literários, também construiu ao longo dos últimos 100 anos o acompanhamento e apoio às grandes transformações sociais e culturais pela qual passou nossa sociedade. Samba, canção, xote, baião, rock e música de raiz repercutiram fases importantes da história recente, como retratam sambas de Noel Rosa e Wilson Batista, abordando morros e favelas, a crescente industrialização e as leis municipais que taxavam de vagabundo quem não possuía emprego fixo.
Nos anos 40, Wilson Batista escreveu o bem humorado samba “O bonde São Januário”, censurado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), pois a letra dizia: “O bonde São Januário leva mais um sócio otário, só eu não vou trabalhar” e contrariava a proposta governamental de Getúlio Vargas. O DIP recomendou a mudança na letra e o samba ficou assim: “O bonde São Januário leva mais um operário, sou eu que vou trabalhar”. Além da questão social, do trabalho e da exploração da mão de obra, o samba abordava os novos meios de transporte na vida urbana.
Geraldo Pereira aborda a novidade das loterias em “Acertei no milhar”, enquanto Herivelto Martins evoca bairros cariocas e a vida noturna então crescente com seus amores, boates a boemia.
Um samba antológico de Jorge de Castro e Wilson Batista (Mãe solteira) fala do preconceito social no contexto da moça abandonada e com o filho nos braços. Maria da Penha é porta-bandeira de uma escola de samba e “ateou fogo às vestes pela vergonha de ser mãe solteira”. Em 1954, a música foi gravada por Roberto Silva. Os anos 50 também foram marcados pelo período de desenvolvimento da indústria e da tecnologia nacional, bem como da arquitetura moderna de Oscar Niemeyer e cuja atmosfera foi captada por João Gilberto, Vinicius de Moraes e Tom Jobim no movimento Bossa Nova. As letras eram mais coloquiais e o gênero brasileiro namorou com o jazz e a música erudita de Chopin, Debussy e Villa Lobos.
O tropicalismo, a Jovem Guarda e a aparição de músicos como Chico Buarque, Jorge Benjor, Elis Regina, Edu Lobo, Milton Nascimento e Paulinho da Viola se deram num conturbado momento político e de grande abertura sexual e dos costumes com os hippies e o amor livre. As canções, as entrevistas e as manifestações públicas dos artistas percorriam os anseios do povo brasileiro na luta por liberdade, justiça social e direitos civis. Pelo impacto de suas músicas, muitos foram presos, torturados e grandes nomes da MPB tiveram que se exilar em outros países. Essa pressão em torno dos compositores e cantores mostra a força que a cultura tem para simbolizar e denunciar momentos difíceis em uma sociedade. Mesmo com o uso de metáforas, a arte incomoda a tal ponto de seus autores temerem pela vida.
A abertura política veio com o reconhecimento dos direitos civis e individuais e também as eleições livres, mas sempre marcados por certa frustração coletiva, como foi o caso da censura ao filme francês “Je vou salue Marie” nos anos 80. Por isso, o chamado rock nacional cantou e gritou os entraves de uma sociedade ainda aprendendo a caminhar pela democracia. Atualmente, liberdade individual, internet e o retorno ao essencial da vida fazem parte das canções de novas gerações de compositores e cantores brasileiros.



Nenhum comentário: