A
Companhia de Terras do Norte do Paraná, durante a colonização de Londrina,
reservou através de seu funcionário Engenheiro Inácio Szankoski, terras ao
norte do Município de Londrina, para serem colonizadas por poloneses e/ou
seus descendentes. Atraídos pela divulgação de uma nova e promissora área a ser
colonizada, no boletim polonês LUD, imigrantes poloneses e tchecos de Santa Catarina e Curitiba vieram
conhecer a região e perceberam que as terras eram de qualidade melhor que da
região que estavam morando. Assim, em 1932, Eduardo Cebulski adquiriu o primeiro
lote daquela área, trazendo depois sua família. Em 1940, já haviam se instalado na região 30
famílias. Para escolher o nome desta colônia polonesa, foram reunidos todos os
moradores do local e por sugestão do Sr. João Lamgowski, foi adotado o nome de
Warta, o mesmo nome de um rio da Polônia, e por significar, em polonês,
"que tem valor". No dia 14 de dezembro de 1953 foi criado o Distrito de Warta,
através da Lei Estadual nº 1542, na comarca de Londrina.
Objetivo:
O objetivo principal do trabalho e a pesquisa do dialeto caipira na
Warta, com fundamentos na fala dos moradores. Apesar do trabalho ser voltado ao
dialeto caipira, devemos observar os aspectos culturais que dimensionam a
língua como fator de interação e construção de uma identidade cultural
concebida por traços idênticos na língua da população. Em termos de cultura na
região de Londrina, observa-se junto ao caipira, o trabalho no campo, mais
especificamente o café. “Marx conceitua o conjunto das relações que compõem a
sociedade – a ‘totalidade’ de Marx – não como uma estrutura simples, mas, sim,
essencialmente complexa. Consequentemente, a relação entre os níveis dentro
dessa totalidade – digamos, o econômico, o político, o ideológico (como diria
Althusser) – não pode ser simples ou imediata. Assim, a ideia de interferir as
contradições sociais nos distintos níveis da prática social simplesmente em
termos de um principio governante de organização social e econômica (nos termos
clássicos de Marx, o ‘modo de produção’). (HALL, 2003, p. 151). A partir do
texto e compreendendo a Warta como detentora de uma cultura laboral cafeeira, a
pesquisa, com perguntas direcionadas, identificou o léxico voltado esta cultura
e voltada ao campo.
Tais
aspectos são notados nas palavras do falante Aparecido Bela Fonte, de 71 anos. Na sonora, entre 0’16 a 1’28.
(Dezesseis segundos a um minuto de vinte e oito segundos), os termos grifados
remetem ao campo, aos instrumentos e trabalho no cultivo do café.
Entrevistador: O que você fazia no café?
Falante: Carpia, catava café, banava café,
rastelava, secava no terrero, Ensacava, botava no caminhão e trazia na maquina
de café para beneficia. Isso eu fazia.
E: O que é carpir?
F: Na época na colheta era a colheta. Depois
que acabava a colheta. Antes da colheta você tinha que lera para limpa o chão,
para derruba o café no chão. Depois da colheta, cê tinha que esparrama aquele
cisco, daí saia mato para carpi de inxada.
E: O que é lera o café?
F: Não é lera, é ruá. Ruá é antes da colheta. Quando o café chegava
perto de maduro e estava para colhe, cê ruava ele. Puxava o cisco e lerava no
meio da rua e dexava o pé de café limpo para derrubar no chão. Lera é com rodo.
Puxa o cisco do pé de café para o centro entre as duas carreiras de café.
E: O que se fazia com o cisco depois?
F: Depois que termina a colheta esparramava e jogava debaixo do pé de
café de novo. É aquele que preserva a planta.
Banava (abanava) é uma aférese, terrero (terreiro) uma sincope,
beneficia (beneficiamento) é uma haplologia , colheta (colheita) uma sincope,
lera (enleirar) aferese, derruba (derrubar) apócope, cê (você) uma aferese,
inxada (enxada) dislalia, dexava (deixava) é síncope e colheta (colheita)
síncope, são algumas palavras que remetem ao dialeto caipira.
Apesar dos estudos voltados ao dialeto caipira, não podemos deixar de
fora os aspectos relacionados à colonização local, formada em grande parte por
poloneses e que tiveram grande importância no trabalho relacionado ao café. Em
meio aos entrevistados e a titulo de uma futura pesquisa, é possível notar não
apenas o falar, mas também o modo de viver dos colonizadores que vieram
trabalhar no café. Isto se mostra através da fala e dos costumes.
Metodologia
O trabalho tem como base, a analise das palavras e do léxico a partir dos
conceitos de Amadeu Amaral, na fonética caipira, que é marcada pelos seguintes
traços:
O "R" caipira: O fonema /r/, em fim de sílaba ou em posição intervocálica, assume as
características formas aproximante alveolar [ɹ], retroflexo [ɻ].
A rotacização do "L": a permutação, em fim de sílaba, da aproximante lateral [l] pelo fonema /r/ (mil > mir, enxoval >
enxovar, claro > craro, etc.). Esse traço não é exclusivo do dialeto
caipira, mas se faz presente de forma gradual ao longo de todo o país, sendo
menos comum na linguagem culta. Trata-se de um fenômeno que já vinha ocorrendo
na passagem do latim para o português (ex: clavu > cravo).
A iotização do "LH": [ʎ] ( [faˈjo];
[muˈjɛ]; [ˈaju]; [vɛˈju]; [oˈjej], etc.). Da mesma forma que a rotacização do L,
esse traço existe ao longo do país todo, sendo mais uma marca social do que
regional.
O Metaplasmo, também designado por metaplasma por alguns autores, é
o nome que se dá às alterações fonéticas que ocorrem em determinadas palavras ao longo da evolução de uma língua, o que ajuda a compreender a etimologia de muitas dessas palavras. O metaplasmo pode
ocorrer pela adição, supressão ou modificação dos sons
Entre os
metaplasmos temos:
A apócope da consoante /r/ na terminação dos verbos no
infinitivo ( [bɾĩˈka]; [oˈja]; [koˈme]; : [ʃoˈɾa]; etc.). Ela
também pode ser por queda ou supressão de fonemas a que as palavras podem estar sujeitas à medida
que uma dada língua evolui. Neste caso, a palavra pode perder um ou mais
fonemas no final.
Ex
: ad (latim) > a (português)
amare (latim)
> amar (português)
et (latim)
> e (português)
male (latim)
> mal (português)
mare (latim)
> mar (português)
cinematógrafo > cinema > cine
fotografia > foto
motocicleta > moto
metropolitano > metrô
microcomputador > micro > pc
pneumático > pneu
radiodifusão, radiofonia, radiograma > rádio
A
Síncope é um dos metaplasmos por
supressão de fonemas a que as palavras podem estar sujeitas à medida que
uma língua evolui. Neste caso, caem um ou mais fonemas do interior ou meio de
uma palavra.
canes (latim)
> cães (português)
luna (latim)
> lua (português)
poer (pt.
arcaico) > pôr (português)
Outros
metaplasmos por supressão de sons são:
Aférese - supressão de fonema no início da palavra -
Exemplo: latim vulgar acume >
português "gume". Observe-se que a aférese só ocorreu depois de outro
metaplasmo, a sonorização,
ter alterado o /c/ interno a /g/.
Crase - fusão de duas vogais iguais,
desde que interna à palavra - Exemplo: português arcaico pee > português moderno
"pé"
Haplologia -
entre duas sílabas de mesma estrutura e contíguas, consiste na supressão da
menos saliente - Exemplo: português medieval "bondadoso" >
português moderno "bondoso". No português brasileiro contemporâneo
falado, há vários dialetos em que se observam haplologias em palavras
fonológicas: dente de leite > /dendjileit/, perto de casa > /perdjikaza/.
Elisão (sinalefa)
- fusão de vogais que limitam palavras adjacentes, tornando-as em um conjunto
fonológico; verifica-se, por vezes, a atuação de metaplasmos secundários, como
o deslocamento da sílaba tônica (q.v. 'Metaplasmos por transposição'). Exemplo:
latim de ex de >
português desde; português brasileiro contemporâneo falado '… o tempo inteiro…
' > "… o tempintero…"
Analise dos dados
FALANTE:
Aparecido Bela Fonte, 71 anos.
E: O
senhor trabalhou muito com café?
F:
Trabalhei ate 1975.
E: O
que você fazia no café?
F:
Carpia, catava café, banava café, rastelava, secava no terrero, Ensacava,
botava no caminhão e trazia na maquina de café para beneficia. Isso eu fazia.
E: O
que é carpir?
F: Na
época na colheta era a colheta. Depois que acabava a colheta. Antes da colheta
você tinha que lera para limpa o chão, para derruba o café no chão. Depois da
colheta, cê tinha que esparrama aquele cisco, daí saia mato para carpi de inxada.
E: O
que é lera o café?
F:
Não é lera, é rua. Rua é antes da colheta. Quando o café chegava perto de
maduro e estava para colhe, cê ruava ele. Puxava o cisco e lerava no meio da
rua e dexava o pé de café limpo para derrubar no chão. Lera é com rodo. Puxa o
cisco do pé de café para o centro entre as duas carreras de café.
E: O
que se fazia com o cisco depois?
F:
Depois que termina a colheta esparramava e jogava debaixo do pé de café de
novo. É aquele que preserva a pranta. É a foia que juntava e devolvia de novo
no pé de café. Plantava arroz no meio do pé de café, colhia. Plantava feijão,
plantava milho.
E:
Destes, algum tem palha?
F:
Arroz tinha paia. O arroz crescia mais ou menos um metro de altura. O cacho de
mais ou menos uns 20 centímetros. Ai você cortava ele em torno de uns 15 a 20 centímetros
do chão. Depois batia ele numa banca de madeira e caia o arroz e a paia.
Ficava, aquele restante era paia.
E:
Fazia o que com ela?
F:
Esparramava e servia de adubo para o café.
E:
Qual outros itens eram plantados?
F:
Fejão, milho.
E:
Como é o processo do feijão?
F: O
processo do fejão, você pega o grão de fejão. Que você compra no mercado hoje.
Tinha uma maquina própria para você pranta. Você prantava e caia duas sementes
mais ou menos a cada maquinada daquela, em torno de uns cinqüenta centímetros
uma da outa. Ai você prantava milho no meio. Uma carreira de milho. E do lado prantava
feijão. Uma carreira de cada lado. Fejão, normalmente setenta dias já tava bom.
Você colhia. O milho demorava um pouco mais.
E:
Como é o beneficiamento do feijão?
F: O
fejão você rancava ele lá na roça, quando ele tava maduro. Fazia aqueles montes
e depois transportava pro terrero. Dexava seca e batia com um cambal. O cambal
um pau, mais ou menos uns dois metro. Com um negocio de coro enroscado e um ferro
de mais ou meno que cê virava a batia o fejão. Bati muito. Batia, tirava a paia
e banava o fejão. Aquele tempo, praticamente todo mundo que morava na roça não
comprava fejão. Colhia.
E: O
que é abana o feijão?
F:
Você pegava a penera, penera de bana café. Só que era menor, igual a de café. E
banava para tira aquela poera mais grossa e guardava.
E:
Como é o beneficiamento do milho?
F: O
milho já era mais complicado, ele tinha que ser uma trilhadera acoprada no
trator. Ai cê pegava o mio depois de seco. Quebrava o milho. Pegava com balaio.
Pegava com a mão, espiga por espiga. Dexava o pé lá. Levava com o balaio, cê
transportava pa um lugar que cê achava melhor. Fazia um monte e depois para
otra pessoa vim com o trator, uma maquina. Uma trilhadera, as pessoa falava na
época. Acoprada do trator e jogava e batia ele. Ai saia paia de um lado e mio
pro otro.
E: O
senhor beneficiava café?
F:
Café eu não beneficiava. Café eu trazia na máquina para beneficiar. Trazia e
ele caia em grão ali. Quem beneficiava era a máquina. Ai e vindia ele em
caroço, não beneficiado.
E: O
que é a máquina?
F:
Máquina de café. Que beneficia café que nem a Odebrech aqui.
E:
Porque se chama máquina de café?
F:
Por que é maquina mesmo. Porque é enorme a maquina, que beneficia café.
E: É
uma maquina que beneficia o café.
F:
Exato, exato...
E:
Então o senhor trabalhou com café, com milho, com arroz, feijão, outra cultura?
F:
Não, não.
E:
É...animal?
F:
Ah sim, trabalhei, trabalhei..trabalhei com algodão, mas foi pouco tempo. Tipo
um prantio de algodão uma vez...
E:
Fala para mim como era o plantio, o beneficiamento, todo o processo...
F: O
algodão cê, cê, prantava com máquina, né...É...tipo uma maquina...tipo uma
trilhadeira...três linhas...e cê ia com um trator puxano e cê ia semeando
algodão. Depois qui o algodão nascia, quando ele tava mais ou menos uns dez
centímetros, cê tinha que i lá e ralha ele, qui ele nascia muito e espaça ele.
Ai depois era cutiva com animal...Passava com um animal, com...com uma chapa no
meio, pra carpi, pra ajuda a carpi e depois termina de inxada. Um animal, com
um arado...
E:
Um cavalo? Seria? Um arado no meio?
F:
Um arado no meio para eliminar uma tantada, uma quantidade de mato. Depois o
resto você carpia e fazia de inxada. E quando o algodão ficava...é...bom,
culhia com a mão. I o algodão, você vendia em pruma. I botava no saco, fardava
ele e depois botava no caminhão e mandava embora.
E: O
que é vender em pluma?
F: Pruma
é porque você não beneficiava ele. Cê só catava, do jeito que você catava era
in natura. A palavra correta é in natura...Colhia e vendia in natura.
E:
In natura e pluma é a mesma coisa
F: É
pruma, é pruma...
E:
Animal...Que animal que o senhor fez trato? Que o senhor tratou, que o senhor
abateu?
F:
Animal eu mexi...Quando eu era criança e morava no sitio, tinha porco, tinha
galinha, tinha vaca, tirava leite...
E:
Como o senhor matava porco?
F:
Porco eu matava com uma faca enfiada no coração dele. Depois que ele tava gordo
né, que já tava no ponto de abate. Então naquele tempo, ele...matava o
porco...tirava...limpava ele, depois separava as partes. Porque naquele tempo
não tinha geladeira...
E:
Qual era as partes do porco?
F:
Cê tirava...
E:
As partes que você tirava...
F:
Era paleta, pernil, costela, tirava o toicinho e derretia e fazia banha. Com o
próprio porco a gente cozinhava arroz, feijão, enfim...Não comprava óleo, não
tinha óleo naquela época.
E:
Era banha...
F:
Banha você tirava do porco...do coro...não tem o toicinho do porco? Aquilo lá
derretia e fazia banha...
E:
Essa banha servia...
F:
Essa banha servia para você...fazer comida....
E:
Da tripa do porco, o senhor fazia algum...
F: A
gente tirava usava, tirava o sangue do porco... matava... cuidava...tirava o
sangue do porco. Separava e depois, fazia churiço. Da própria tripa do porco.
E: O
que é o chouriço?
F:
Pegava, tirava aquelas tripas mais grossas, lavava ela bem...E o sangue,
preparava ele com um poco de arroz cozido, salsinha, cebolinha, enfim, tempero
compreto. Depois enchia aquela tripa e botava para cozinha...Ai depois cortava
e comia com pão...Não perdia nada...Era o sangue do porco...
E:
Do sangue do porco, temperado...
F:
Com um pouco de arroz e...salsinha e cebolinha...
E: E
comia isso...Todo mundo comia isso...
F:
Comia com pão...Levava pa roca e quem tava na roça comia com pão lá
trabalhando...comia até a hora que era para cumê...
E:
Que horas vocês pegavam no trabalho na roça?
F:
Ah, não tinha hora. No tempo normal era quando o sol nascia e vinha embora
quando o sol escondia. Então o horário era esse. O almoço era tipo dez horas.
Análise
dos dados:
Foram encontradas as
seguintes palavras com alterações:
Banava: abanava - aférese
Terrero: terreiro – síncope
Beneficia: beneficiamento -
haplologia
Colheta:
colheita - síncope
Lera: enleirar – aférese e
apócope
Limpa: limpar – apócope
Derruba: derrubar - apócope
Cê:
você - aférese
Esparrama: esparramar -
apócope
Carpi: carpir - apócope
Inxada: enxada - dislalia
Ruáva: ruar – paragoge
Dexava: deixava - sincope
Puxá: puxar - apócope
Carreras: carreiras -
síncope
Pranta: plantar - rotacismo
Foia: folha - iotização
Paia: palha - iotização
Fejão: feijão - síncope
Prantava: plantava -
rotacismo
Ota: outra - síncope
Rancava: arrancava – aferese
Tava: estava - aferese
Metro:
metros - apócope
Coro: couro – sincope
Penera: peneira - síncope
Bana: abanava - aférese
Trilhadera: trilhadeira -
sincope
Mio: milho - iotização
Pa: para - apócope
Vindia: vendia - dislalia
Prantio: plantio - rotacismo
Puxano: puxando - sincope
I: e - dislalia
Espaçá: espaçar - apócope
Cutiva: cultivar - apócope
Tantada: tanto - paragoge
Culhia: colhia - dislalia
Pruma: pluma - rotacismo
Toicinho: toucinho -
dislalia
Churiço: chouriço - sincope
Poco: pouco - sincope
Compreto: completo -
rotacismo
Cume:
comer - hipértese
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