sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Resenha: A escrita de manuscritos Paranaenses e Portugueses do Século 19 e a relação com o “Português Brasileiro”


Resenha do trabalho de conclusão de curso apresentado no Departamento de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem na Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial a obtenção do título de Mestre. O trabalho é uma autoria de Vanessa Lini e teve na banca examinadora as Doutoras Joyce Elaine Almeida, Vanderci de Andrade Aguilera e o Doutor Ataliba de Castro, da Universidade Estadual de São Paulo. A dissertação de Mestrado toma como ponto de partida a investigação da Língua Portuguesa no Século 19 e se embasa nos registros escritos Paranaenses e Portugueses. O mesmo tem o intuito de observar fenômenos relacionados com as características próprias do português brasileiro, analisar e comparar a língua escrita do Século 19 em dois contextos: Paranaense e Português, no intuito de observar semelhanças em relação às características descritas nos aspectos fonéticos, sintáticos e morfológicos presentes nos dois corpora que estabelecem relação com o português praticado no Brasil, além de observar traços conservadores do português de séculos passados.
O termo manuscrito significa escrito à mão e constitui um tipo de registro escrito de textos com suma importância para o resgate histórico no que diz respeito a escrita e a história da língua. Os documentos revelam a escrita de uma época e trazem à tona argumentos propostos, léxico, dados históricos, lingüísticos, sociais e culturais. O trabalho está inserido no projeto “Para a História do Português Paranaense”, coordenado pela Professora Doutora Fabiane Cristina Altino, que desenvolve pesquisas e estudos sobre temas relacionados à gramática e tradições discursivas. È importante citar que o trabalho usa como fonte de pesquisa documentos manuscritos e propõe investigar a língua do século 19 a partir da análise de registros escritos paranaenses e portugueses, além de observar fatos lingüísticos considerados peculiares ao português do Brasil e fenômenos que aconteciam em séculos passados na escrita.

            A língua na sua diversidade através da variação lingüística: A diversidade cultural social e econômica da sociedade brasileira evidencia a heterogeneidade da língua portuguesa no Brasil. A língua se modifica no tempo e no espaço condicionada a diversos fatores internos e externos de ordem sociocultural, histórica, regional, situacional e entre outras que contribuem para o surgimento da variação lingüística. Segundo Labov (1982), a variação lingüística é natural e essencial a linguagem humana. Assim, o que exigiria explicação seria a ausência da variação na linguagem e não a sua presença. Logo, a diversidade de uma língua marca também a heterogeneidade dos falantes que usam como instrumento de interação na multiplicidade do contexto de papéis sociais e das próprias mudanças históricas na sociedade. Camacho (1988) há quase um quarto de século propôs uma classificação para as diferentes formas de variação da língua: histórica, geográfica, social e estilística. O aspecto histórico resulta das alterações com a passagem do tempo é possível ressaltar vários exemplos como o termo irmos ele diz que a passagem do tempo. Isto se exemplifica em termos que caíram em desuso, mas que ainda podem ser vistos em obras literárias do passado. A variação social se evidencia nas diferenças falas dos indivíduos, condicionados por fatores como grau de educação, idade, sexo, nível social ou idade. Nesta variação se nota o uso de gírias na fala de pessoas mais jovens e inerentes ao fator de sexo e gênero. Ainda no aspecto social observa-se as classes distintas, caracterizadas por normas de conduta e padrões culturais que geram padrões lingüísticos distintos. Castilho (2010) considera que o fator social engloba as diferenças linguagem entre falantes escolarizados e não escolarizados. Ele usa a denominação variação sociocultural para caracterizar algumas diferenças na linguagem. Quanto à variação geográfica, nota-se as diferentes formas de pronúncia vocabular, estrutura sintática e pronuncias. Um exemplo é a diferença na pronúncia da região nordestina em contraposição a maneira de falar na região sul. Quanto à estilística, ela depende da situação de comunicação e vai conforme o contexto ou grupo onde o individuo se comunica. 

            Variação e mudança: Variação e mudança lingüística são processos que configuram a heterogeneidade da língua. Sendo de natureza sincrônica e diacrônica, estas mudanças se interelacionam. Embora não necessariamente toda a variação implique mudanças nas línguas, elas se modificam continuamente no tempo, alterando aspectos fonéticos, sintáticos, semânticos e morfológicos, configurando o processo de mudança lingüística. Faraco (2005) ressalta que embora as mudanças lingüísticas ocorram continuamente, elas se dão de forma lenta e atinge sempre partes e não o todo de uma língua. Portanto as mudanças lingüísticas no decorrer do tempo são inevitáveis, pois a língua se caracteriza por seu caráter não estático além de se constituir social, cultural e historicamente no seu contexto de uso. O fenômeno de mudança lingüística pode ser um fato continuador do distanciamento entre o português do Brasil e o português europeu, visto que mudanças desencadeadas na fala em território brasileiro pode não atingir território português e vice-versa.

Língua, dialeto e falar: Conforme Boléo (1943, p 10), a língua é um meio de comunicação, uma maneira organizada pela palavra viva a fim de expressar pensamentos, sentimentos, preocupações e sentimentos. Benveniste (1963), afirma que “é pelo exercício da linguagem que o homem constrói sua relação com a natureza e com os outros homens. Nesta perspectiva a língua caracteriza-se como fonte de comunicação e instrumento de relações sociais”. Meillet (1906) concebia a língua como um fato social: “Por ser a língua um fato social, a lingüística é uma ciência social e um único elemento variável que ocorre para dar conta da variação lingüística é a mudança social”. Da mesma forma, Labov (1968) comenta que as análises do contexto social em que a é língua utilizada vieram demonstrar que muitos elementos da estrutura lingüística estão implicados na avaliação sistemática. Isto ocorre tanto na mudança do tempo, quanto nos processos sociais extralingüísticos. Ressalta-se que dialeto e falar são denominações usadas para nomear fatos heterogêneas de uma língua. Porém é complexo estabelecer distinção e delimitação entre uma língua, dialeto e falar.                                                     Em relação a dialeto, verifica-se a complexidade que envolve o termo, a começar pelas divergências. Em relação a seu conceito é possível encontrar definições que caracterizam um dialeto como algo inferior, linguagem de menor prestígio, fala dos incultos, como uma língua menor, incluída em outra maior, conceitos que tratam o dialeto como qualquer variação da língua.
Embora dialeto, muitas vezes se confunda com falar, vale distinguir os termos. O falar se caracteriza pelas diferenças locais do indivíduo, ou seja, o indivíduo fala diferente da linguagem de determinada comunidade. Mas isto não implica a falta de compreensão e comunicação entre falantes. O falar é um conjunto de meios e expressões empregados por um grupo no interior de um domínio lingüístico. O dialeto configura-se como uma variante da língua em que a compreensão é limitada, enquanto o falar se define por diferenças mais específicas que não prejudicam a comunicação.

O português no Brasil: No Brasil o português foi introduzido após a colonização dos portugueses em 1500 e se desenvolveu, conquistando seu espaço aos poucos ao lado de outras línguas como a tupi-guarani, idioma predominante na época. Silva Neto (1973) divide o período da implantação do português no Brasil em três fases: de 1532 a 1654, em que predominava a língua geral, idioma que remete ao Tupinambá, Tupi Guarani ou Tupi Antigo; de 1654 e 1808 a língua geral perde espaço e o Português se dissemina por toda a costa, ficando a língua geral limitada às povoações do interior e aldeamentos indígenas jesuítas. A partir de 1808 a língua sofre intensa revitalização devido à chegada de cerca de dezoito milhões de portugueses que difundem a língua com maior intensidade. Isto marcou a cultura local ao trazer mudanças sociais no ainda Brasil Colônia. Com o aumento da população Portuguesa no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais houve a migração das elites rurais e famílias do campo para as cidades, acarretando uma divisão social entre Rural e Urbana. No meio rural concentrava-se descendentes de índios, negros e mestiços. A dualidade interferiu na linguagem, pois no ambiente rural ainda se propagava a língua geral.

As hipóteses sobre o português brasileiro: O fenômeno de mudança lingüística das transformações que ocorreram com a língua é fato evidente. Nesta perspectiva, estudiosos se dedicam a pesquisa que explique essas alterações. Castilho (1992) elenca três pontos sobre a mudança no português brasileiro: a evolucionista, crioula e internalista. A evolucionista defende a idéia de uma língua brasileira oriunda da língua falada em Portugal. A crioulista aponta a importância os contatos no Brasil Colônia e a influência das línguas africanas e indígenas. Conforme o autor há duas fases de contatos: o PIDGIN e a fase do crioulo. A primeira é considerada uma língua de emergência rudimentar e não natural e a segunda uma adaptação mais complexa e rica do PIDGIN, ou seja, a adaptação de uma língua por falantes de outras línguas. Desta forma alguns autores justificam características do português brasileiro como resultado de uma língua crioula, adaptada do português por índios e africanos. Já a internalista considera o português brasileiro uma continuação do português europeu, refletindo hoje o que foi em Portugal o português.

Sobre as origens do português brasileiro: No período da colonização do Brasil, a base da população brasileira era composta por índios, escravos e portugueses. Com o passar dos anos, imigrantes estrangeiros como italianos, espanhóis, franceses, japoneses e entre outros começaram a fazer parte da população brasileira. Houve a expansão de costumes, culturas e conseqüentemente línguas foram extintas se fundiram. 

Influência indígena: As tribos indígenas foram o primeiro contato dos portugueses ao chegarem ao Brasil. Ao lado da vasta população indígena havia a dinâmica das línguas. Embora seja possível ter certeza quanto ao número de línguas existentes, havia cerca de 1500 línguas indígenas no período da colonização. A tupi foi a que mais conviveu com o português durante o processo de colonização e deixou heranças na língua. Esta contribuição se manifesta de forma significativa no campo lexical, especificamente nas denominações relativas às cidades, Estados, flora e fauna. Melo (1981) cita exemplos como Andaraí, Brocoió, Cabuçu, caju, carioca, Gambôa, Guanabara, Jacarepaguá, Ipanema, Irajá, Pavúna, Tijuca e outros. Castilho (2010) afirma que o grosso das contribuições lexicais para o português brasileiro, oriundo do tupi-guarani, cedeu mais de 10.000 vocábulos constantes, na maioria topônimos e antropônimos. O autor salienta que não há comprovação da influência indígena na fonologia ou gramática.

A influência africana: A influência mais profunda das línguas africanas no português brasileiros está na morfologia. Conforme o autor, a simplificação e a redução das flexões comuns na fala popular brasileira é herança das línguas dos escravos. Como o exemplo “os homi”, “as prima já chegaro”. Outro fenômeno é a deglutição e aglutinação de fonemas como acontece com o “s” do determinante, que se incorpora à vogal da palavra seguinte, produzido uma nova forma autônoma e fecundante, como no exemplo “zarreio” (resultado de os arreios), “zome” (resultado de os homens).
Já outros fenômenos são tratados como dupla influência: africana e indígena. Spina (1987) traz como exemplo a influência desses dois povos o caso da vocalização do digrama lh em “i”, como muié, mio, fio, espeio, oio, mió (mulher, milho, filho, espelho, olho, melhor); supressão da dental d do grupo consonantal nd, nas formas and, end, ind: falano, dizeno, vestino (falando, dizendo e vestindo); redução dos ditongos ou e ei em porquera, manera, falô, otrora, estora (porqueira, maneira, falou, outrora e estoura).

A língua do Brasil e o dialeto caipira: Entre os dialetos que caracterizam as diferenças do português brasileiro, destaca-se o “dialeto caipira”. Como a colonização do Brasil se deu inicialmente em território rural, pelo fato pelo de antes das cidades existirem fazendas, sítios e engenhos, a mistura da língua portuguesa trazida de Portugal, composta por outras línguas da região, compôs o dialeto caipira. Conforme esclarece Ribeiro (1995): entre colonos portugueses, índios e negros, a eles se juntaram o caipira emergente na região Sudeste, primordialmente no Estado de São Paulo. Ele se expande para o Centro Oeste através das Bandeiras. Após a derrocada da mineração no final do século 18, as populações que se concentravam nas regiões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso se dispersam e retomam o modo de vida rústico da antiga população paulista, determinando a cultura caipira. Amaral (1920), afirma que o intitulado dialeto caipira se destaca por questões relacionadas à fonética, morfologia, sintaxe e vocabulário, além da concordância verbal e nominal. O autor afirma que existe a característica do R retroflexo, ausência de consoantes laterais palatais LH, permutados pela semivogal l. A queda do R final de verbos infinitivos terminados em ar e er, além de fenômenos que o distingue das demais variantes.

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