sábado, 22 de fevereiro de 2020

Objeto de estudo: Dialeto Caipira na Warta, em Londrina


A Warta é um dos oito distritos administrativos da cidade de Londrina.
A Companhia de Terras do Norte do Paraná, durante a colonização de Londrina, reservou através de seu funcionário Engenheiro Inácio Szankoski, terras ao norte do Município de Londrina, para serem colonizadas por poloneses e/ou seus descendentes. Atraídos pela divulgação de uma nova e promissora área a ser colonizada, no boletim polonês LUD, imigrantes poloneses e tchecos de Santa Catarina e Curitiba vieram conhecer a região e perceberam que as terras eram de qualidade melhor que da região que estavam morando. Assim, em 1932, Eduardo Cebulski adquiriu o primeiro lote daquela área, trazendo depois sua família. Em 1940, já haviam se instalado na região 30 famílias. Para escolher o nome desta colônia polonesa, foram reunidos todos os moradores do local e por sugestão do Sr. João Lamgowski, foi adotado o nome de Warta, o mesmo nome de um rio da Polônia, e por significar, em polonês, "que tem valor". No dia 14 de dezembro de 1953 foi criado o Distrito de Warta, através da Lei Estadual nº 1542, na comarca de Londrina.

Objetivo:
O objetivo principal do trabalho e a pesquisa do dialeto caipira na Warta, com fundamentos na fala dos moradores. Apesar do trabalho ser voltado ao dialeto caipira, devemos observar os aspectos culturais que dimensionam a língua como fator de interação e construção de uma identidade cultural concebida por traços idênticos na língua da população. Em termos de cultura na região de Londrina, observa-se junto ao caipira, o trabalho no campo, mais especificamente o café. “Marx conceitua o conjunto das relações que compõem a sociedade – a ‘totalidade’ de Marx – não como uma estrutura simples, mas, sim, essencialmente complexa. Consequentemente, a relação entre os níveis dentro dessa totalidade – digamos, o econômico, o político, o ideológico (como diria Althusser) – não pode ser simples ou imediata. Assim, a ideia de interferir as contradições sociais nos distintos níveis da prática social simplesmente em termos de um principio governante de organização social e econômica (nos termos clássicos de Marx, o ‘modo de produção’). (HALL, 2003, p. 151). A partir do texto e compreendendo a Warta como detentora de uma cultura laboral cafeeira, a pesquisa, com perguntas direcionadas, identificou o léxico voltado esta cultura e voltada ao campo.
Tais aspectos são notados nas palavras do falante Aparecido Bela Fonte, de 71 anos. Na sonora, entre 0’16 a 1’28. (Dezesseis segundos a um minuto de vinte e oito segundos), os termos grifados remetem ao campo, aos instrumentos e trabalho no cultivo do café.
Entrevistador: O que você fazia no café?
Falante: Carpia, catava café, banava café, rastelava, secava no terrero, Ensacava, botava no caminhão e trazia na maquina de café para beneficia. Isso eu fazia.
E: O que é carpir?
F: Na época na colheta era a colheta. Depois que acabava a colheta. Antes da colheta você tinha que lera para limpa o chão, para derruba o café no chão. Depois da colheta, cê tinha que esparrama aquele cisco, daí saia mato para carpi de inxada.
E: O que é lera o café?
F: Não é lera, é ruá. Ruá é antes da colheta. Quando o café chegava perto de maduro e estava para colhe, cê ruava ele. Puxava o cisco e lerava no meio da rua e dexava o pé de café limpo para derrubar no chão. Lera é com rodo. Puxa o cisco do pé de café para o centro entre as duas carreiras de café.
E: O que se fazia com o cisco depois?
F: Depois que termina a colheta esparramava e jogava debaixo do pé de café de novo. É aquele que preserva a planta.
Banava (abanava) é uma aférese, terrero (terreiro) uma sincope, beneficia (beneficiamento) é uma haplologia , colheta (colheita) uma sincope, lera (enleirar) aferese, derruba (derrubar) apócope, cê (você) uma aferese, inxada (enxada) dislalia, dexava (deixava) é síncope e colheta (colheita) síncope, são algumas palavras que remetem ao dialeto caipira.  
Apesar dos estudos voltados ao dialeto caipira, não podemos deixar de fora os aspectos relacionados à colonização local, formada em grande parte por poloneses e que tiveram grande importância no trabalho relacionado ao café. Em meio aos entrevistados e a titulo de uma futura pesquisa, é possível notar não apenas o falar, mas também o modo de viver dos colonizadores que vieram trabalhar no café. Isto se mostra através da fala e dos costumes.

Metodologia
O trabalho tem como base, a analise das palavras e do léxico a partir dos conceitos de Amadeu Amaral, na fonética caipira, que é marcada pelos seguintes traços:
O "R" caipira: O fonema /r/, em fim de sílaba ou em posição intervocálica, assume as características formas aproximante alveolar [ɹ]retroflexo [ɻ].
rotacização do "L": a permutação, em fim de sílaba, da aproximante lateral [l] pelo fonema /r/ (mil > mir, enxoval > enxovar, claro > craro, etc.). Esse traço não é exclusivo do dialeto caipira, mas se faz presente de forma gradual ao longo de todo o país, sendo menos comum na linguagem culta. Trata-se de um fenômeno que já vinha ocorrendo na passagem do latim para o português (ex: clavu > cravo).
iotização do "LH"[ʎ] ( [faˈjo];  [muˈjɛ];  [ˈaju];  [vɛˈju];  [oˈjej], etc.). Da mesma forma que a rotacização do L, esse traço existe ao longo do país todo, sendo mais uma marca social do que regional.
O Metaplasmo, também designado por metaplasma por alguns autores, é o nome que se dá às alterações fonéticas que ocorrem em determinadas palavras ao longo da evolução de uma língua, o que ajuda a compreender a etimologia de muitas dessas palavras. O metaplasmo pode ocorrer pela adição, supressão ou modificação dos sons
Entre os metaplasmos temos:
apócope da consoante /r/ na terminação dos verbos no infinitivo ( [bɾĩˈka];  [oˈja];  [koˈme]; [ʃoˈɾa]; etc.). Ela também pode ser por queda ou supressão de fonemas a que as palavras podem estar sujeitas à medida que uma dada língua evolui. Neste caso, a palavra pode perder um ou mais fonemas no final.

Ex : ad (latim) > a (português)
amare (latim) > amar (português)
et (latim) > e (português)
male (latim) > mal (português)
mare (latim) > mar (português)
cinematógrafo > cinema > cine
fotografia > foto
motocicleta > moto
metropolitano > metrô
microcomputador > micro > pc
pneumático > pneu
radiodifusãoradiofonia, radiograma > rádio
A Síncope é um dos metaplasmos por supressão de fonemas a que as palavras podem estar sujeitas à medida que uma língua evolui. Neste caso, caem um ou mais fonemas do interior ou meio de uma palavra.

canes (latim) > cães (português)
luna (latim) > lua (português)
poer (pt. arcaico) > pôr (português)
Outros metaplasmos por supressão de sons são:
            Aférese - supressão de fonema no início da palavra - Exemplo: latim vulgar acume > português "gume". Observe-se que a aférese só ocorreu depois de outro metaplasmo, a sonorização, ter alterado o /c/ interno a /g/.
Crase - fusão de duas vogais iguais, desde que interna à palavra - Exemplo: português arcaico pee > português moderno "pé"
Haplologia - entre duas sílabas de mesma estrutura e contíguas, consiste na supressão da menos saliente - Exemplo: português medieval "bondadoso" > português moderno "bondoso". No português brasileiro contemporâneo falado, há vários dialetos em que se observam haplologias em palavras fonológicas: dente de leite > /dendjileit/, perto de casa > /perdjikaza/.
Elisão (sinalefa) - fusão de vogais que limitam palavras adjacentes, tornando-as em um conjunto fonológico; verifica-se, por vezes, a atuação de metaplasmos secundários, como o deslocamento da sílaba tônica (q.v. 'Metaplasmos por transposição'). Exemplo: latim de ex de > português desde; português brasileiro contemporâneo falado '… o tempo inteiro… ' > "… o tempintero…"

Analise dos dados

FALANTE: Aparecido Bela Fonte, 71 anos.
E: O senhor trabalhou muito com café?
F: Trabalhei ate 1975.
E: O que você fazia no café?
F: Carpia, catava café, banava café, rastelava, secava no terrero, Ensacava, botava no caminhão e trazia na maquina de café para beneficia. Isso eu fazia.
E: O que é carpir?
F: Na época na colheta era a colheta. Depois que acabava a colheta. Antes da colheta você tinha que lera para limpa o chão, para derruba o café no chão. Depois da colheta, cê tinha que esparrama aquele cisco, daí saia mato para carpi de inxada.
E: O que é lera o café?
F: Não é lera, é rua. Rua é antes da colheta. Quando o café chegava perto de maduro e estava para colhe, cê ruava ele. Puxava o cisco e lerava no meio da rua e dexava o pé de café limpo para derrubar no chão. Lera é com rodo. Puxa o cisco do pé de café para o centro entre as duas carreras de café.
E: O que se fazia com o cisco depois?
F: Depois que termina a colheta esparramava e jogava debaixo do pé de café de novo. É aquele que preserva a pranta. É a foia que juntava e devolvia de novo no pé de café. Plantava arroz no meio do pé de café, colhia. Plantava feijão, plantava milho.
E: Destes, algum tem palha?
F: Arroz tinha paia. O arroz crescia mais ou menos um metro de altura. O cacho de mais ou menos uns 20 centímetros. Ai você cortava ele em torno de uns 15 a 20 centímetros do chão. Depois batia ele numa banca de madeira e caia o arroz e a paia. Ficava, aquele restante era paia.
E: Fazia o que com ela?
F: Esparramava e servia de adubo para o café.
E: Qual outros itens eram plantados?
F: Fejão, milho.
E: Como é o processo do feijão?
F: O processo do fejão, você pega o grão de fejão. Que você compra no mercado hoje. Tinha uma maquina própria para você pranta. Você prantava e caia duas sementes mais ou menos a cada maquinada daquela, em torno de uns cinqüenta centímetros uma da outa. Ai você prantava milho no meio. Uma carreira de milho. E do lado prantava feijão. Uma carreira de cada lado. Fejão, normalmente setenta dias já tava bom. Você colhia. O milho demorava um pouco mais.
E: Como é o beneficiamento do feijão?
F: O fejão você rancava ele lá na roça, quando ele tava maduro. Fazia aqueles montes e depois transportava pro terrero. Dexava seca e batia com um cambal. O cambal um pau, mais ou menos uns dois metro. Com um negocio de coro enroscado e um ferro de mais ou meno que cê virava a batia o fejão. Bati muito. Batia, tirava a paia e banava o fejão. Aquele tempo, praticamente todo mundo que morava na roça não comprava fejão. Colhia.
E: O que é abana o feijão?
F: Você pegava a penera, penera de bana café. Só que era menor, igual a de café. E banava para tira aquela poera mais grossa e guardava.
E: Como é o beneficiamento do milho?
F: O milho já era mais complicado, ele tinha que ser uma trilhadera acoprada no trator. Ai cê pegava o mio depois de seco. Quebrava o milho. Pegava com balaio. Pegava com a mão, espiga por espiga. Dexava o pé lá. Levava com o balaio, cê transportava pa um lugar que cê achava melhor. Fazia um monte e depois para otra pessoa vim com o trator, uma maquina. Uma trilhadera, as pessoa falava na época. Acoprada do trator e jogava e batia ele. Ai saia paia de um lado e mio pro otro.
E: O senhor beneficiava café?
F: Café eu não beneficiava. Café eu trazia na máquina para beneficiar. Trazia e ele caia em grão ali. Quem beneficiava era a máquina. Ai e vindia ele em caroço, não beneficiado.
E: O que é a máquina?
F: Máquina de café. Que beneficia café que nem a Odebrech aqui.
E: Porque se chama máquina de café?
F: Por que é maquina mesmo. Porque é enorme a maquina, que beneficia café.
E: É uma maquina que beneficia o café.
F: Exato, exato...
E: Então o senhor trabalhou com café, com milho, com arroz, feijão, outra cultura?
F: Não, não.
E: É...animal?
F: Ah sim, trabalhei, trabalhei..trabalhei com algodão, mas foi pouco tempo. Tipo um prantio de algodão uma vez...
E: Fala para mim como era o plantio, o beneficiamento, todo o processo...
F: O algodão cê, cê, prantava com máquina, né...É...tipo uma maquina...tipo uma trilhadeira...três linhas...e cê ia com um trator puxano e cê ia semeando algodão. Depois qui o algodão nascia, quando ele tava mais ou menos uns dez centímetros, cê tinha que i lá e ralha ele, qui ele nascia muito e espaça ele. Ai depois era cutiva com animal...Passava com um animal, com...com uma chapa no meio, pra carpi, pra ajuda a carpi e depois termina de inxada. Um animal, com um arado...
E: Um cavalo? Seria? Um arado no meio?
F: Um arado no meio para eliminar uma tantada, uma quantidade de mato. Depois o resto você carpia e fazia de inxada. E quando o algodão ficava...é...bom, culhia com a mão. I o algodão, você vendia em pruma. I botava no saco, fardava ele e depois botava no caminhão e mandava embora.  
E: O que é vender em pluma?
F: Pruma é porque você não beneficiava ele. Cê só catava, do jeito que você catava era in natura. A palavra correta é in natura...Colhia e vendia in natura.
E: In natura e pluma é a mesma coisa
F: É pruma, é pruma...
E: Animal...Que animal que o senhor fez trato? Que o senhor tratou, que o senhor abateu?
F: Animal eu mexi...Quando eu era criança e morava no sitio, tinha porco, tinha galinha, tinha vaca, tirava leite...
E: Como o senhor matava porco?
F: Porco eu matava com uma faca enfiada no coração dele. Depois que ele tava gordo né, que já tava no ponto de abate. Então naquele tempo, ele...matava o porco...tirava...limpava ele, depois separava as partes. Porque naquele tempo não tinha geladeira...
E: Qual era as partes do porco?
F: Cê tirava...
E: As partes que você tirava...
F: Era paleta, pernil, costela, tirava o toicinho e derretia e fazia banha. Com o próprio porco a gente cozinhava arroz, feijão, enfim...Não comprava óleo, não tinha óleo naquela época.
E: Era banha...
F: Banha você tirava do porco...do coro...não tem o toicinho do porco? Aquilo lá derretia e fazia banha...
E: Essa banha servia...
F: Essa banha servia para você...fazer comida....
E: Da tripa do porco, o senhor fazia algum...
F: A gente tirava usava, tirava o sangue do porco... matava... cuidava...tirava o sangue do porco. Separava e depois, fazia churiço. Da própria tripa do porco.
E: O que é o chouriço?
F: Pegava, tirava aquelas tripas mais grossas, lavava ela bem...E o sangue, preparava ele com um poco de arroz cozido, salsinha, cebolinha, enfim, tempero compreto. Depois enchia aquela tripa e botava para cozinha...Ai depois cortava e comia com pão...Não perdia nada...Era o sangue do porco...
E: Do sangue do porco, temperado...
F: Com um pouco de arroz e...salsinha e cebolinha...
E: E comia isso...Todo mundo comia isso...
F: Comia com pão...Levava pa roca e quem tava na roça comia com pão lá trabalhando...comia até a hora que era para cumê...
E: Que horas vocês pegavam no trabalho na roça?
F: Ah, não tinha hora. No tempo normal era quando o sol nascia e vinha embora quando o sol escondia. Então o horário era esse. O almoço era tipo dez horas.

Análise dos dados:
Foram encontradas as seguintes palavras com alterações:
Banava: abanava - aférese
Terrero: terreiro – síncope
Beneficia: beneficiamento - haplologia
Colheta: colheita - síncope
Lera: enleirar – aférese e apócope
Limpa: limpar – apócope
Derruba: derrubar - apócope
Cê: você - aférese
Esparrama: esparramar - apócope
Carpi: carpir - apócope
Inxada: enxada - dislalia
Ruáva: ruar – paragoge
Dexava: deixava - sincope
Puxá: puxar - apócope
Carreras: carreiras - síncope
Pranta: plantar - rotacismo
Foia: folha - iotização
Paia: palha - iotização
Fejão: feijão - síncope
Prantava: plantava - rotacismo
Ota: outra - síncope
Rancava: arrancava – aferese
Tava: estava - aferese
Metro: metros - apócope
Coro: couro – sincope
Penera: peneira - síncope
Bana: abanava - aférese
Trilhadera: trilhadeira - sincope
Mio: milho - iotização
Pa: para - apócope
Vindia: vendia - dislalia
Prantio: plantio - rotacismo
Puxano: puxando - sincope
I: e - dislalia
Espaçá: espaçar - apócope
Cutiva: cultivar - apócope
Tantada: tanto - paragoge
Culhia: colhia - dislalia
Pruma: pluma - rotacismo
Toicinho: toucinho - dislalia
Churiço: chouriço - sincope
Poco: pouco - sincope
Compreto: completo - rotacismo
Cume: comer - hipértese            





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