quinta-feira, 23 de julho de 2009

Rádio Sutatenza

A Rádio Sutatenza constitui a experiência pioneira na radiodifusão educativa no mundo, com resultados duradouros. Criada em 1947, no interior da Colômbia, a emissora tem a dupla finalidade de educar e evangelizar a população rural, tornando-se a primeira emissora privada no planeta a assumir uma missão pública.
Com a derrocada do nazismo, após a Segunda Guerra, o mundo ocidental volta seus olhos para a “ameaça comunista”. Propaga-se a idéia de que se os governos latino-americanos ou as entidades religiosas não agissem rapidamente, a doutrina socialista poderia invadir o meio rural.

Fundada pelo pároco José Joaquín Salcedo Guarin no povoado de Sutatenza, província de Boyacá, a Rádio vai ao ar pela primeira vez em outubro de 1947. Salcedo traz um pequeno transmissor e um receptor do Seminário de Santa Rosa de Viterbo e transmite experimentalmente durante um mês, até obter a concessão do governo colombiano, na freqüência de 1.560 kHz em onda média.

Em 1948, a Igreja apóia a criação da Ação Cultural Popular (ACPO), uma fundação de direito privado, que passa a supervisionar a Sutatenza. O objetivo da ACPO é desenvolver projetos de educação de adultos, no nível básico, através de um sistema integrado de meios de comunicação, envolvendo rádio, jornal, livros e cartilhas. Membros da Igreja compõem o conselho superior.

Desde o início a emissora busca integrar-se à comunidade. Uma de suas primeiras audições consiste na apresentação de um grupo musical formado por camponeses. As aulas de alfabetização procuram difundir a idéia segundo a qual quem souber ler e escrever terá condições de mudar de vida, conquistar um emprego melhor, enfim, desenvolver-se como cidadão. Pequenos receptores são distribuídos com um filtro no dial, para obrigar os ouvintes a sintonizar somente a emissora, criando o artifício da recepção cativa.

Nos anos 50 a Rádio Sutatenza alcança prestígio, reconhecimento e passa a receber recursos de entidades norte-americanas e européias, expandindo-se por quase toda a Colômbia, com um transmissor de 250 kw em Bogotá e emissoras regionais nas cidades de Medellín, Cali, Barranquilla e Magangué. No interior, os transmissores variam de 10 Kw a 120 Kw de potência, abrangendo quase todo o território colombiano, à exceção da Amazônia, onde a guerrilha dá seus primeiros passos.

Nos anos 60, a programação chega a 18 horas diárias (das 4h às 22h), englobando cinco áreas de atuação:

–produções culturais e educativos;
–programas musicais, explorando sobretudo canções populares e o folclore colombiano;
–noticiários, com três edições diárias de uma hora de duração cada, e pequenas inserções a cada meia hora;
–programas esportivos, principalmente nos fins-de-semana e feriados;
–aulas transmitidas no início da manhã e no fim da tarde. Durante a Escola Radiofônica, o locutor lia cartas enviadas por lavradores matriculados no curso;

O sistema de alfabetização é supervisionado a distância. Uma casa reúne uma turma de 20 alunos orientados por um monitor – os chamados auxiliares imediatos, geralmente de baixa instrução – que se limitam a ouvir as aulas baseadas em cartilhas O locutor-professor tenta prever as dificuldades. As dúvidas que persistem o monitor esforça-se para resolver após a aula. Cada sala de aula improvisada, geralmente numa igreja, associação ou sede de sindicato, ganhava o nome de Escola Radiofônica. A Sutatenza chegou a ter 7.500 escolas radiofônicas.

A estrutura também se sofistica. A Rádio abre um Centro de Capacitação de Líderes Camponeses, em Boyacá, com capacidade para atender 300 alunos, e oferece um curso de quatro meses para formar jovens instrutores. Os interessados precisam provar que sabem ler e escrever, ter mais de 18 anos, arcar com os custos de transporte e assumir o compromisso de voltar a viver na comunidade de onde vieram.

A experiência da Sutatenza espalhou-se por diversos países da América Latina, como Honduras, Nicarágua, El Salvador, Peru (através da Rádio Onda Azul, em Puno, às margens do Lago Titicaca), Bolívia e norte da Argentina.

No entanto, um dos maiores obstáculos do modelo de Escola Radiofônica da Sutatenza não foi contornado pela equipe do padre José Joaquín Salcedo. O projeto não garantia um diploma reconhecido pelo Ministério da Educação da Colômbia, limitando-se a fornecer um certificado sem valor oficial. Os alunos aprendiam a ler, escrever e a fazer as quatro operações, mas este aprendizado não correspondia formalmente a uma melhoria no status social.

Com o passar do tempo, a escassez de financiamento – principalmente do exterior, devido ao declínio da Guerra Fria – leva a emissora a entrar em crise financeira. A tentativa de obter recursos através do aluguel dos estúdios da Sutatenza esbarra no abismo ideológico que separava Salcedo dos produtores radiofônicos identificados com a Teologia da Libertação. Lopez Vigil conta que certa vez, ao ouvir a gravação do programa Jurado 13, escrito por Mário Kaplun, o padre colombiano tachou o roteiro de panfletário e proibiu o uso dos estúdios por seus produtores.

A Rádio Sutatenza mergulha em dívidas e acaba sendo negociada com os proprietários da Caracol (Cadena Radial de Colômbia), a maior rede de emissoras comerciais no país.
A experiência da Rádio Sutatenza demonstra que é difícil garantir o êxito a longo prazo de um projeto de educação básica, gerenciado por grupos particulares, laicos ou confessionais, sem o apoio das autoridades educacionais do País. Mais do que a assimilação de conteúdos programáticos, o indivíduo luta pelo reconhecimento de sua cidadania, que pode levá-lo a sonhar com a ascensão social. E na sociedade moderna o direito à cidadania está vinculado aos aparelhos ideológicos do Estado.

Apesar de todos os problemas, a Sutatenza mostrou ao clero brasileiro que o rádio, por seu baixo custo e amplo poder de alcance, poderia cumprir um papel importante no campo da educação popular. “Foi um grito de alarme para que a Igreja entrasse na radiodifusão. E a entrada da Igreja nesta área marcou (...) uma nova fase na história da radiodifusão educativa em nosso país”.

2 comentários:

XX disse...

Oi, tudo bem. Muito interessante. Gostaria de saber de onde você adquiriu a informacao. Obrigada!

XX disse...

Oi, tudo bem. Muito interessante. Gostaria de saber de onde você adquiriu a informacao. Obrigada!