quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Conto - Tarde Latina - Parte I


Eram duas da tarde de um domingo chuvoso. Mesmo assim estava um dia alegre e repleto de coisas a ser fazer. Pedro, um cara como outro qualquer, estava na sua casa cansado devido a noite anterior. Passara a noite num boteco, conversando com amigos sobre leviandades e fatos banais. Nesta hora, exatamente as duas da tarde, quando assistia TV, lembrou-se do convite que receberá para ver um amigo tocar numa banda Paraguaya que excurcionava pelo Brasil. Sendo amigo de Joaquim, o baixista, aprontou-se e despediu-se de sua família, pois ali começaria uma aventura inesperada. A maior de sua vida. Joaquim era punk e tocava contra baixo ao estilo Ramones. Se conheceram na noite e logo fizeram amizade regada a muita "buela de fuego", uma espécie de bebida destilada e incandescente, acessa com isqueiro. Devido a incandescencencia, é conhecida por "buela de fuego". A bebida dele ser tragada ainda em chamas para não se perder o sabor do "fuego".
Logo que partiu, convidou seu amigo e fiel escudeiro, Romerito, seu vizinho. Entraram no circular e partiram rumo a terras distantes, por caminhos tortuosos, mas regrado a muita tequila. A banda, que iriam ver, possuia o visual inspirado em nós mesmos, os latino americanos, se confundindo com mariates. Joaquim os conheceu pela internet, pelo orkut, numa comunidade chamada “Amantes da Música Latina”. Como a banda, de nome Chiuaua, falou da turnê no Brasil, Joaquim os convidou para tocarem em Londrina e ficarem uns dias hospedados em sua casa para os ensaios. Devivo a reciprocidade, a amizade cresceu e Joaquim tornou-se membro da Chiuaua em algumas apresentações. Para ele foi o máximo, pois seria sua primeira apresentação com um grupo internacional.
Quanto a mim e Romerito, andamos muito de ônibus para chegar ao show. Passamos pelos mais curiosos lugares, onde se cruzava com plantações de café, soja, trigo, milho e vassouras. Atravessamos montanhas ingremes, penhascos, desfiladeiros, açudes e até na frente de um cemitério de automóveis. O caminho era tão longo, que tinhamos medo da banda começar a tocar sem a nossa presença no “Don Juan”. Era uma casa de shows de nome sugestivo, mas que na verdade lembrava uma bodega mexicana. No "Don Juan" era muito legal, onde era aberto espaço aos artistas, seja músico, escritor, fotógrafo, artista plástico ou teatral.
Quando chegamos, conhecía algumas pessoas, amigos em comum com o Joaquim. Porém, mas conhecíamos todos que estavam ali. Sentamos numa mesa e logo se aproxima um senhor que, apesar da chuva que caia lá fora, estava adornado por um sombrero (chapéu típico mexicano que ameniza os efeitos do sol) e um poncho (blusa com uma única entrada para colocar a cabeça, onde nas extremidades os braços fiquem livres). A figura mitológica, era o Don Juan em pessoa, que nos disse em espanhol: ¿Los amigos de la buena tarde, qué van a beber hoy?
Pedimos duas doses de rum montilia, que na garrafa, tem o desenho dum pirata e um papagaio. Conta a lenda, que o rum montilia, era a bebida dos corsários. Ela os ajudava a atravessar as intempéries do mar. Quando Don Juan despeja o rum em nossos copos, começa mais uma precipitação de águas que achei estranho. Junto com a chuva, veio o frio que ameziva o calor do rum.
Apesar de conhecermos algumas pessoas, éramos estranhos. Cabia uma boa dose de diplomacia para nos socializarmos e conhecer pessoas diferentes:

-E aí, beleza?
-Beleza.
-Tá afim dum gole de rum?

Pronto, feito o primeiro contato em português. Uma lingua falada e conhecida em todo território nacional e em outros países da Europa, África e Ásia. As maiores barreiras da timidez foram vencidas e aos poucos conhecemos pessoas que estavam no Don Juan. Mas, ainda não vimos Joaquim, que neste final de tarde e começo de noite, seria um dos protagonistas do espetáculo musical. Passou-se um bom tempo e a banda paraguaya não subiu ao palco. Ah, esqueci dum detalhe: a Chiuaua não tocava músicas regionais e tinham uma vertente ao estilo latino. Como estávamos afoitos para o início do show, assim que ouvíssimos as músicas, que diziam ser barulhentas e apreciada pelo público jovem, não demos atenção ao estilo e tivemos paciência.
Pedi outra dose de rum para esquentar. O frio ameaçava aumentar. Um pouco embriagado com Montilia e tendo visões do corsário caolho com o papagaio no ombro, deparo-me com um grupo heterogêneo que surgia aos poucos no Don Juan. Eram pessoas que vestiam roupas exóticas, chamativas do visual alternativo e diferenciado. Nada de incomum para um local com bandas. Cada um com seu look diferente. Havia roupas de exército e fardados, outros com os cabelos espetados e piercings, skatistas, homens e mulheres de preto e hippies. Romerito, parecendo um caipira do sertão, no princípio ficou assustado e com medo. Apesar de frequentar diversos lugares, nunca viu uma infinidade de cores diferentes. Nesse "bolo louvo", tinha uma garota que era muito feia. Mas muito feia mesmo. Até parecia um canhão. Romerito, com sarcarmo comentou: E aí Peter Parker, será que o Brasil está em guerra? Olha o canhão da artilharia. Não comentei e pedi ao Romerito que ficassse quieto. Se abusasse, arrumaria confusão e estaríamos ferrados para correr até as nossas casas. Imagine se no meio do caminho, perto do cafezal, o Quixambá aparece e come as nossas cabeças? Pedi mais uma dose daquela do pirata. A chuva. como meus sentimentos, estava mais intensa e nada da banda paraguaya tocar.

Continua...

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