quinta-feira, 23 de julho de 2009

Nas ondas da fé

As rádios rurais surgem no Brasil do pós-guerra, financiadas pelos Estados Unidos e com forte influência do discurso anticomunista que marca a Guerra Fria. Os altos índices de analfabetismo, as grandes distâncias e a distribuição social e geográfica desigual levam governos e educadores laicos e religiosos a ver nas ondas sonoras uma alternativa pouco onerosa para propagar conhecimento. O discurso contra os comunistas seduz também a igreja e por extensão as rádios católicas. Mas este quadro começa a mudar na década de 60. Criado em 1961 e com forte orientação marxista, o MEB desenvolveu uma doutrina que ligava a educação ao trabalho de conscientização política, sob o argumento de que a verdadeira educação deveria voltar-se para a liberdade e esta liberdade só poderia existir com o pleno exercício de direitos de cidadão. O presente trabalho pretende contar um pouco desta história que acabaria por levar vários educadores brasileiros à prisão e ao exílio durante os anos de chumbo.

Desde os anos 20, a preocupação em utilizar o rádio com finalidades educativas está presente na cabeça dos maiores incentivadores e criadores do veículo. A frase célebre de Edgar Roquette Pinto – “trabalhar pela cultura e pelo progresso dos que vivem em nossa terra” – norteia os primeiros passos da radiodifusão no Brasil, embora os poucos brasileiros com acesso ao exclusivista rádio de galena desfrutassem de outros meios para se informar e adquirir aquilo que a elite intelectual do País na época entendia como “cultura”.

Na América Latina do pós-guerra, os altos índices de analfabetismo, as grandes distâncias e a distribuição social e geográfica desigual levam governos e educadores laicos e religiosos a ver nas ondas sonoras uma alternativa pouco onerosa para propagar conhecimento. No Brasil as grandes campanhas de educação de adultos ganham impulso em fins da década e nos 50, com o apoio dos Estados Unidos.
Durante a Guerra Fria, cresce a influência norte-americana na reorganização da escola primária rural, através de cursos para professoras primárias, patrocinados pelo Programa Americano Brasileiro de Assistência ao Ensino Elementar (PABAEE). “É muito explícita, nos programas desses cursos, a ideologia da segurança nacional, totalmente manipulada contra o ‘inimigo comunista”.

Pretendiam os norte-americanos influenciar comportamentos e atitudes daquelas que seriam responsáveis pela formação básica das crianças e adolescentes, uma espécie de orientação de quadros que surtiria efeito a longo prazo na consolidação de uma nova mentalidade. Estes cursos faziam parte do projeto conhecido como Ponto Quatro, que abrangia a transmissão de conhecimentos na agricultura e na saúde, entre outras áreas.

No âmbito confessional, a instrução formal, materializada no ensino das primeiras letras e das quatro operações aritméticas, vem acompanhada de projetos de evangelização. Na visão destes religiosos, matavam-se dois coelhos com uma só cajadada: expandia-se a doutrina da fé e simultaneamente barrava-se o florescimento das idéias marxistas, principalmente no campo, onde a ausência de reforma agrária semeava um sentimento de revolta contra a estrutura fundiária.
O livro 50 anos da Rádio Aparecida evidencia esta preocupação de setores expressivos da Igreja nos anos 50.

Depois da Guerra, as urgências humanas eram visíveis em diversos níveis na Europa. Ainda assim a Igreja tinha uma grande preocupação a mais: os católicos na China, na Coréia e no Vietnam. A Igreja colocava suas forças em defesa dos cristãos e no combate ao comunismo. Foram os pesados anos da Guerra Fria quando a Igreja entrou num doloroso silêncio nos países onde os comunistas conquistaram o poder. Também no Brasil, a Igreja temia as conseqüências de um eventual governo comunista. Era preciso combater tal ideologia. O rádio vai aparecer como uma alternativa para a instrução e propaganda anticomunista.

Em 1955, no auge da Guerra Fria, o frei franciscano Gil Bonfim exaltava as qualidades do rádio no combate ao comunismo, citando o trecho da carta de um missionário francês que vivera 27 anos na China.

"Vejo nesta diocese, onde exerço meus ministérios, muitos sacerdotes ocupados em fazer ou reparar igrejas. Empregam somas enormes para isso. Pergunto a mim mesmo para que serve tudo isso sem a propaganda anticomunista. Apoderando-se do país, este regime condenará a Igreja ao silêncio das catacumbas. As igrejas se transformarão, como na China e alhures, em salas de cinema ou de bailes. Não digo que não seja necessário construir igrejas, mas ao mesmo tempo seria mister provocar em todo o país um movimento, a fim de se conseguir quanto antes uma grande estação de rádio católica."

A proposta adquire ainda mais força na América Latina depois da vitória da Revolução Cubana, em 1959. Do ponto de vista da estratégia de evangelização, Gilberto Paiva divide a Igreja daqueles tempos em dois pólos: “De um lado, parte da Igreja que se engaja tentando sair do esquema de anos de pastoral tradicional e, de outra parte, uma Igreja temerosa do comunismo querendo se resguardar diante de seu crescimento.”

Paralelamente, o êxito do projeto de alfabetização de adultos adotado em Cuba, desencadeado em 1961, alia-se às propostas de Paulo Freire, inspirando iniciativas como o Movimento de Educação de Base e do Movimento de Cultura Popular, no Nordeste.

“Pretendia-se ensinar não apenas a ler as palavras, mas a ler o mundo através das palavras, como dizia Paulo Freire. Então se A-E-I-O-U nada podia significar para um adulto que se alfabetizava, OEA, que aparecia na primeira lição da cartilha de Cuba, significa muito naquele momento, não só para os jovens e adultos desse país, mas para os jovens e adultos de todas as Américas”.

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