A retirada da cobertura vegetal de uma determinada região, aquece o clima, empobrece o solo, induz ao assoreamento dos rios, seca nascentes, reduz a biodiversidade, alteram a velocidade dos ventos e diminuem a umidade do ar. Imaginem agora o desmatamento em margens de rios, manguezais, topos e encostas de morros, unidades de conservação, restingas, reservas legais, falésias e outras áreas cuja manutenção é vital para integridade física e biológica de um território. O resultado não é apenas uma paisagem desoladora. É proporcional a um cataclisma. Ali, o equilíbrio jamais será o mesmo.
O Código Florestal Brasileiro (Lei Federal n° 4.771, de 15/9/1965), dentre outras coisas, impede que a expansão urbana das cidades levem de roldão áreas de preservação permanentes (APPs). Desta forma, condomínios fechados, pontes, avenidas e equipamentos urbanos de quaisquer natureza, devem respeitar as APPs. Mas o setor imobiliário nem sempre pensa assim. Para muitos, a aplicação do Código é uma “pedra no meio do caminho” que deve ser removida.
Atualmente, é de responsabilidade dos prefeitos e dos vereadores, a autonomia em legislar sobre o destino do perímetro urbano nos municípios. Aliados a interesses do setor imobiliário ou afã de ampliarem receitas do IPTU, muitos não respeitam as áreas de preservação, muitas vezes ao arrepio de planos diretores (quando existem). Por isso, as expansões urbanas, algumas vezes terminam por abraçar as APPs. O exemplo, nos últimos vinte anos, está naquele sítio, antes bucólico e bem pouco aprazível, que está no miolo da praça central duma nova cidade.
No início de julho, o Congresso apreciou o projeto de lei que dispunha sobre o Patrimônio de Afetação de Incorporações Imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário e outras providências. A matéria é de aparente interesse dos imobiliaristas e incorporadores e ao fazei-lo, o deputado relator Ricardo Izar (PTB/SP), Coordenador da Frente Parlamentar de Habitação e Desenvolvimento Urbano, incorporou o artigo 64 ao projeto. O artigo 64 anula o Código Florestal Brasileiro nas áreas urbanas ou de expansão urbana ao sentenciar que "na produção imobiliária, seja por incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana, não se aplicam os dispositivos da Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965."
Segundo o IBGE, 90% das cidades brasileiras não tem quaisquer tipo de estrutura ambiental oficial ou funcionários públicos capacitados. Quase 80% das cidades não possuem conselhos de meio ambiente. Na prática, não existe controle sobre a gestão ambiental nos municípios brasileiros. A sociedade só dispõe, na maioria das vezes, do Código Florestal Brasileiro e das leis de organismos estaduais. Entretanto, o desuso do Código Florestal na expansão dos perímetros urbanos dispensa, com ele, organismos federais como o IBAMA e instituições públicas estaduais correlatas. Os municípios, nestas condições, serão os únicos entes da federação a disciplinar os avanços sobre áreas de interesses socioambientais, algumas de interesse nacional como os biomas extremamente pressionados por projetos imobiliários, como a Floresta Atlântica, onde vivem 120 milhões de brasileiros. O litoral também não escapa: é considerado zona urbana ou de expansão junto com suas ilhas, costões, dunas, mangues e outras riquezas naturais. Em síntese: o governo federal deixa de proteger e transfere para vereadores e prefeitos as responsabilidades sob o patrimônio natural nas áreas urbanas.
O artigo 64, se sancionado pelo Presidente Lula, ferira de morte as APPs. Mais: será o início do desmonte do Código Florestal, a única garantia que muita estupidez não seja cometida em nome do progresso.
Pega de surpresa, a sociedade não deve ficar boquiaberta pela tentativa de alterar o Código. Não é a primeira. Não será a última. Esta mesma sociedade, a qual faço parte, espera que o Presidente Lula se redima da desatenção e vete o artigo 64.
Por hora, é o que nos salva enquanto se buscam meios eficazes de acompanhar as ações nada inocentes dos parlamentares.
Luiz Eduardo Cheida é médico, escritor, foi prefeito de Londrina (92/96), vereador (88/92), é professor de Biologia e ex-secretário estadual de Meio Ambiente do Paraná (02/06) e deputado estadual pelo PMDB.
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