Juan Bordenave distingue três modelos de educação: a que enfatiza os conteúdos, a que prioriza os resultados e a que valoriza o processo de aprendizagem. Cada uma destas visões – todas bem intencionadas porque voltadas para a transmissão do conhecimento – exerceu alguma influência na educação radiofônica. A primeira corresponde à educação tradicional, baseada na transmissão de conhecimentos e valores do professor para o aluno, da elite para as massas. Tende, portanto, a ser vertical, autoritária e muitas vezes paternalista.
O professor, aquele que sabe, ajuda a ensinar o ignorante, aquele que não sabe.
O segundo tipo, o da ênfase nos resultados, é o mais presente nos manuais de Comunicação, principalmente nos produzidos durante a década de 50 na América Latina, para enfrentar o que os planificadores econômicos, no melhor estilo cepalino de Celso Furtado, consideram os grandes empecilhos para o desenvolvimento. A solução para erradicar a pobreza estava na modernização do País e no aumento da produtividade, com a incorporação de novas tecnologias. E para dominar estas técnicas, o trabalhador precisava ser educado, ou melhor, ser adestrado. Proliferam os cursos técnicos, que formam operários especializados, mas o campo continuava fora deste esforço em nome do progresso.
O terceiro modelo de educação se caracteriza pelo processo de transformação dos personagens envolvidos, priorizando “a inter-relação dialética entre o ser humano e a realidade em que vive, do desenvolvimento da capacidade intelectual e da consciência social. É o de mais complexa aplicação, porque os resultados costumam ser difíceis de mensurar quantitativamente.
O desenvolvimento resulta da realização integral do homem, preocupado não em TER cada vez mais, porém em SER mais. De acordo com esta concepção, mesmo o alcance das metas quantitativas pressupõe uma profunda transformação na educação, capaz de formar homens pensantes e criativos, gente que possa questionar e tomar decisões. É fácil imaginar as conseqüências que este tipo de modelo podem acarretar numa sociedade em que os meios de produção continuam nas mãos de poucos e o diploma faz parte de um universo restrito aos detentores destes meios de produção.
Muitas destas premissas que mesclam educação e conscientização estão presentes na doutrina conhecida como Teologia da Libertação, fruto dos debates do Concílio de Medellín, na Colômbia, em 1968, inspirados nas reflexões de teólogos como o padre Gustavo Gutierrez, da Igreja secular do Peru, e o frei franciscano Leonardo Boff.
–Deus quer o bem-estar individual e social do homem na terra. Portanto é vontade de Deus que o homem não só lute por sua salvação eterna, mas também pela melhoria de suas condições de vida;
–Deus se manifesta e influi em todas as ações da vida diária. Quando o lavrador vai ao mercado buscar um bom preço para sua produção, cumpre a vontade de Deus. O mesmo acontece quando semeia e cultiva com técnica, quando melhora sua habitação, ou quando se reúne em grupo para discutir, atuar ou divertir-se;
–A responsabilidade pelos atos humanos é individual; cabe a cada um fazer todo o possível para melhorar suas condições de vida, para a qual deve trabalhar e associar-se;
Os serviços de educação radiofônica nascem no pós-guerra antes da difusão dos conceitos da Teologia da Libertação, mas são justamente estes princípios doutrinários que nortearão boa parte dos projetos mantidos pela Igreja católica na América Latina até os anos 80. O concílio de Puebla, no México, em 1989, e principalmente a ascensão do cardeal polonês Karol Woytilla como papa João Paulo II irão frear os segmentos progressistas e causar o declínio dos projetos de alfabetização através do rádio. De qualquer forma, independentemente da interpretação ideológica, as experiências de educação radiofônica no continente constituem exemplo de construção do bem-estar social.
Muitos pesquisadores, entre os quais o cubano José Ignácio Lopez Vigil, argumentam que não se pode compreender a história do rádio latino-americano sem a história das rádios católicas no continente, desde os modelos mais tradicionais e conservadores aos mais progressistas. É o que tentaremos apresentar a seguir, com as dificuldades próprias da pesquisa empírica em países do Terceiro Mundo.
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