domingo, 24 de julho de 2016

As relações da literatura com a música brasileira


A música brasileira (em sua vertente erudita ou popular) é tão rica que suas relações temáticas com a política, artes, comportamento e a literatura são evidentes e muito amplas. São citações, formas de linguagem, poemas inteiros musicados e hibridismo da música com a poesia e a prosa.                                                  
No campo da música clássica brasileira, Carlos Gomes transformou o romance “O Guarani” (José de Alencar) na ópera nacional mais conhecida e encenada no mundo; Villa Lobos aproveitou o modernismo para usar em bom português os textos de nossos autores nas suas famosas “Serestas” (para piano e voz) enquanto Francisco Mignone trabalhou com óperas escritas por autores europeus e brasileiros. Sua ópera “O contratador de diamantes” utiliza texto do italiano Gerolamo Bottoni.                                                                                            
Mais recentemente, Jorge Antunes encontrou no escritor Gerson Valle um grande parceiro para suas obras musicais como a muito comentada ópera “Olga”. E o mestre Koellreutter musicou o texto “Café”, do modernista Mário de Andrade com ênfase na mistura nacionalismo/vanguarda.                                                 
A música popular brasileira é uma verdadeira aula de poesia, revelada em citações e parcerias entre as duas áreas da cultura. Não faltam, no entanto, espaço para autores europeus e americanos, principalmente os beatniks.                   
O cuidado com as letras sempre esteve presente na história da MPB e do samba como são os casos de Noel Rosa, Dorival Caymmi, Dolores Duran, Ary Barroso, Humberto Teixeira e Lupicínio Rodrigues. Com a chegada da Bossa Nova, Vinicius de Moraes impõe novo padrão estético ao universo das letras vinculando-a também a formas tradicionais e a elementos modernos como o jazz, o cinema e descrições simples e coloquiais da vida cotidiana. Vinicius foi fonte e inspiração para tudo o que veio dos anos 50 em diante no Brasil. Sua própria poesia foi fundamental nesse processo, bem como o apreço de Tom Jobim por Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.                                                                                                              
O tropicalismo de Caetano, Gil, Tom Zé e Torquato Neto abriu espaço para Fernando Pessoa, João Cabral, Cecília Meirelles e Haroldo de Campos nos anos 60. Gil, com seu texto que revela o metafísico do ser, o zen, o haicai e a alusão ao aleatório no remete aos poetas japoneses.                                                      
Os anos 70 foram marcados pela linguagem poética colocada como protesto contra a repressão da ditadura e os poetas-músicos se voltaram para a visão de uma luta ampliada. É o caso de Belchior, Ivan Lins e Gonzaguinha. Mas houve a adaptação do Bhavagad Gita (Raul e Paulo Coelho); Zé Ramalho com sua poesia folk-nordestina-metafísica e Fagner musicando clássicos de Cecília Meirelles e Fernando Pessoa.                                                                                        
O rock nacional dos anos 80 trouxe uma geração de livro embaixo do braço como Renato Russo, Paulo Ricardo, Cazuza e Arnaldo Antunes em abordagem subjetiva e lírica do amor e da política de Brasília. A ousadia de Antunes trouxe ao mundo da TV e do rádio os elementos concretistas, signos pós verbais e aleatórios. Ele é o caso de um artista que vai além de sua época na questão da estética, como foi Caymmi quando invocou o mar e musicou as imagens narradas em livro por Jorge Amado: é doce morrer no mar!


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