terça-feira, 17 de junho de 2008

A moda de viola é tradição popular, expressa a música caipira brasileira e a identidade de um povo.

Na Zona Norte são diversos os violeiros que se reúnem para “baterem” viola. Desses encontros, surgem duplas ou grupos, que pode durar anos e render muitos casos.

Juntos há mais de uma década, a dupla que prefere ser reconhecida pelo nome artístico de Lenço Branco, 80 e Lenico, 71, se conheceram no Jardim Novo Amparo, onde residem. “Gostamos de Jacó e Jacózinho, Lio e Léo, Zico e Zeca e Tonico e Tinoco. A música caipira é raiz e vem do povo”, diz Lenço Branco, que ganhou o nome por amarrar um lenço alvo ao pescoço. “Quando jovem, era famoso e cantava nos circos. O engraçado é que entravamos pela porta da frente e ninguém dava atenção. O apresentador anunciava o show e subíamos ao palco. Depois do espetáculo, o sucesso era tanto, que tínhamos que sair pelos fundos. Mas não imagine que era apenas fama. Se cantasse mal, o povo botava para correr”. Muito antes de conhecer Lenico, aos vinte e cinco anos, Lenço Branco formava a dupla Mogi e Mirim, quando morou em Assis, São Paulo. Tornou-se Lenço Branco e era parceiro de Florestal. Em 1965 mudou o nome para Cruzeiro e formou a dupla caipira Cruzeiro e Cruzeiro. Eles compunham músicas do contexto popular que falavam sobre a vida do caipira. “Tento agradar a todos. Há vinte anos, fiz uma música chamada ‘Noite Linda’, inspirada em duas moças que me ignoravam”.
Lenico conta outras histórias. Participou das duplas Lenico e Linéco, cantou na TV e ganhou prêmios em rádios nas décadas de 70 e 80. “Só não gravei um CD porque não tinha dinheiro”, diz Lenico, que se apresentou diversas vezes no programa Lício e Línio, na antiga rádio Ouve Verde, em Londrina.


Um violeiro que procura um parceiro é Manoel de Lima Pardinho, 72, do Violin. Nascido em Iporã, no Paraná, freqüentou muito o serviço de alto-falante da cidade, onde tocava viola e cantava músicas caipiras. “O alto falante chamava-se A Voz da Cidade e era no armazém de Secos e Molhados. Morávamos vizinhos a ele. Hoje o serviço transformou-se na rádio de Iporã. Fiz à dupla Carmosa e Carmosinha e ficávamos num aquário, onde as pessoas que passavam na rua paravam para nos ver e ouvir”, recordando-se que o serviço era a atração da cidade.
Manoel já cantou com Aparecido Carvalho, o Iokin, de Paranavaí e era o Cajubi da dupla Cajubi e Cajueiro, com Arlindo Muniz, que ainda mora em Iporã. “Fiz muitos amigos. Hoje estou sem parceiro e procuro uma primeira ou segunda voz, afinada e da mesma tonalidade”. Procurando não desafinar, Manoel diz que faz a segunda e a primeira voz e todas as posições da viola onde “a garganta alcançar”.
Seu último parceiro foi Laurico, e faziam à dupla Neco e Laurico, que cantavam músicas sertanejas antigas de Tião Carreiro e Pardinho, Zico e Zeca e Lourenço e Lourival. Autodidata, começou a tocar quando comprou um livro de notas musicais. Cantor das músicas de raiz desde os dez anos recorda-se que o avô fabricava violas em Minas Gerais e sua tia as “experimentava” embaixo das arvores. “É algo que está no sangue. Pode passar muitos anos, mas nunca vou esquecer a tradição caipira”, diz.

Um grupo de violeiros que se encontrou ao acaso num domingo de manhã, bateu viola, notou afinidade e estão juntos até hoje é Anderson e Everson, nome artístico de Anderson Carvalho, 26, da Vila Yara e Carlos Roberto Parra, 44, do Jardim Castelo. Reunidos há seis meses e acompanhados pelos irmãos Hélio Aparecido, 55 e Rotildo dos Santos, 68, ambos da Vila Casoni, formam o “Grupo Musical Coração Sertanejo”.
“Violeiro bom se encontra afinando viola ou nasce em casa”, diz Anderson, que aprendeu a tocar com o avô aos doze anos. Sempre que pode, reúne-se com amigos para afinar sua viola ou para “prosear”.
A afirmação de Anderson, de que violeiro bom nasce em casa, se confirma quando observamos o exemplo de Hélio. “Via meu irmão Rotildo tocar e gostei. Ele aprendeu com nosso pai”. Conhecidos na região da Vila Casoni, os irmãos dizem que toda a família gosta e tem admiração pela viola. “Nosso pai reunia todos os filhos para contar casos e estórias antigas ao ritmo da viola”, relembra Rotildo.
Carlos Parra, ou Everson, tocou muita viola nas rádios de Londrina e região. “Tem uma rádio, aqui em Londrina, que começou a apresentar programas de roda de viola e os violeiros tocavam ao vivo. Como era uma novidade, poucos sabiam. Devido a isso, eu tocava mais de quinze musicas de uma só vez para segurar o ouvinte no ar e continuar com o programa”.

O Trio Flor da Terra é composto por Nelson Lining, o Nelson Ly, 58, de Cambé, Célio Ribeiro, 49, do Maria Celina e Antonio Silvestre, conhecido por Prateado, 63, que mora no Milton Gavetti. O Trio tem CD, fita K7, DVD gravados e suas músicas buscam inspiração no caminhoneiro e no caipira que saiu do campo e veio para a cidade.
“Cantamos a história e a vida do caminhoneiro porque um dia exerci essa profissão”, diz Nelson Ly, que dirige caminhão desde 1967. Criado na “roça”, entende de lavoura e foi “empurrado” para a cidade após uma epidemia de tifo que dizimou mais de mil e quinhentos porcos que criava. Antes de ser caminhoneiro, já cantava, mas não tinha dinheiro para seguir a carreira artística. Hoje Ly divulga o CD “Motoristas do Brasil”, que tem patrocínio e grande vendagem. “Nosso trabalho é difundido no Paraná, em Rondônia, Pará e Minas Gerais. As rádios comerciais tocam nossas músicas e um ouvinte, de Jaguariaiva, no Paraná, até ligou para conversar”.
Prateado afirma que as músicas são de raiz e abordam uma realidade comum a muitos, que é o êxodo rural e as dificuldades que o caipira enfrenta na cidade. “Essa é evolução do mundo. O sertanejo, mesmo que se mude para a cidade, ainda é um caboclo”.
“O DVD foi gravado ao vivo em paisagens da natureza, sítios e cachoeiras”, diz Célio. No santuário de Nossa Senhora, na Vila Nova, onde fizeram a música “Padroeira do Brasil”, todos choraram de emoção. “Tinha muitas pessoas na igreja”, completa.

Corruíra e Curió são dois pássaros e nome artístico de Mário de Castro Candido, 51, do Milton Gavetti e Maurício dos Santos, 65, do Maria Cecília. Mário é compositor e conheceu Mauricio numa roda de viola. “O Maurício possuía músicas antigas de raiz mais não tinha parceiro”. A dupla cantou “Colcha de retalhos” e “Encontro Milagroso”, dois clássicos sertanejos. Fizeram alguns ensaios e firmam parceria há dez meses.
Muito antes de morar no Gavetti, Mauricio era professor primário e cantou entre os anos 62 a 65 na Rádio Difusora Platinense, em Jundiaí do Sul. “Era aos domingos no programa Manhã Sertaneja. Tinha que ser tudo ao vivo para um auditório que nos aclamava com palmas”. Humorista, já cantou em festas juninas e ensina que no sertanejo há o recurso da declamação, que é prenúncio da estória. “Funciona como subterfúgio e retêm a atenção do ouvinte. “Cabocla Teresa” de Tonico e Tinoco e “A enxada e a caneta” de Zico e Zeca são exemplos”.
A criatividade na composição de Mário é tamanha que numa conversa ele escreve músicas de raiz, toadas e cururu. São histórias verídicas transformadas em música. Critico ao sertanejo atual, diz que os artistas de hoje são pops e não é populares, devido a não transmitirem a vida no sertão. “A música caipira fala da satisfação provocada pelo trabalho na roça, o trato das criações animais e paisagens sertanejas. O caipira é o matuto. Nele é vista a imagem e a simplicidade do povo brasileiro”.

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