domingo, 22 de junho de 2008

Fatos criados - A visão midiática

Os mal-estares sociais não têm uma existência visível senão quando se fala deles na mídia ou quando reconhecidos pelos jornalistas. Os mal-estares não são todos igualmente “mediáticos”, e os que são, sofrem, inevitavelmente, diversas deformações a partir do momento em que são tratados pela mídia. São fatos cuja representação pública foi explicitamente fabricada para interessar aos jornalistas, ou então aqueles que por si mesmos atraem os jornalistas porque são “fora do comum”, dramáticos, emocionantes e rentáveis.
Todas as visões jornalísticas não tem o mesmo peso dentro da profissão e, sobretudo, fora, no processo de constituição das representações sociais. Quando se relê ou se revê, com frieza, tudo o que pôde ser escrito ou mostrado sobre acontecimentos, pode-se certamente encontrar um artigo ou uma reportagem particularmente pertinentes. Mas esta leitura, ao mesmo tempo exaustiva e a posteriori, esquece que esses artigos passam geralmente despercebidos pela maioria das pessoas e se perdem num conjunto cuja tonalidade é em geral muito diferente.
A mídia age sobre o momento e fabrica coletivamente uma representação social que, mesmo quando está muito afastada da realidade, perdura apesar dos desmentidos ou das retificações posteriores porque ela nada mais faz, na maioria das vezes, que tende, por isso, a redobrá-los. É preciso levar em conta o fato de que a televisão exerce um efeito de dominação muito forte. Isso lhe confere grande peso na constituição da representação dominante dos acontecimentos. A informação “posta em imagens” produz um efeito de drama que é próprio para suscitar muito diretamente emoções coletivas.
Deve-se levar em consideração que muitos movimentos são criados pela mídia e sua duração depende do tempo de exposição destinado a ele. É necessário saber o processo que levou progressivamente todos os jornalistas a se desinteressarem pelos acontecimentos que eles anteriormente contribuíram para produzir. Assim, o que se chama de acontecimento, não é jamais senão o resultado da mobilização, que pode ser espontânea ou provocada, pelos meios de comunicação, em torno de algo com que todos concordam por determinado período. Quando são populações marginais ou desfavorecidas que atraem a atenção da mídia, os efeitos da mediatização estão longe de ser os que esses grupos sociais poderiam esperar porque os jornalistas dispõem, nesses casos, de um poder de constituição particularmente importante, que é a fabricação do acontecimento que foge quase totalmente a essas populações.
Diante deste quadro se vê uma população dominada e menos apta a poder controlar sua própria representação. O espetáculo de sua vida quotidiana não pode ser, para os jornalistas, senão ordinário e sem interesse. Na visão elitista, eles são desprovidos de cultura e, além disso, incapazes de se exprimir nas formas requeridas pela grande mídia. Assim, a mídia fabrica, para o grande público, que não está diretamente ligado a uma apresentação e uma representação dos problemas que enfatizam o extraordinário. Se esta representação ocupa pouco espaço no discurso dos dominados, é porque estes dificilmente são ouvidos. Fala-se deles mais do que eles falam e, quando falam aos dominantes, tendem a tomar um discurso emprestado, o que os dominantes usam.
A defasagem entre a representação da realidade e a realidade como pesquisas mais minuciosas podem fornecer artifícios ainda mais importantes no tratamento televisivo dos incidentes. A atenção dos jornalistas está mais voltada para os confrontos populares do que para a situação objetiva que os provoca. Eles se tornam sintomas de uma crise mais geral da sociedade que tende a ser tratada independentemente das situações concretas. Paradoxalmente, os jornalistas, em suas pesquisas locais, dão pouca importância a dados locais. O acontecimento mediático que eles fabricam funcionam como uma espécie de teste projetivo junto aos diferentes atores sociais que eles interrogam, cada um podendo ver nisso a confirmação do que ele pensa há longo tempo. Dessa forma, a mídia contribui para a estigmatização de pessoas e locais, muitas vezes apresentados como insalubres e sinistros e seus moradores como delinqüentes.
A mídia doravante faz parte integrante da realidade ou, se preferirmos, produz efeitos de realidade que ela pretende descrever. Sobretudo as desgraças e as reivindicações devem exprimir-se mediaticamente para vir a ter uma existência publicamente reconhecida e ser, de uma maneira ou outra, “levada em conta” pelo poder político. A lógica das relações que se instauraram entre os atores políticos, os jornalistas e os especialistas em “opinião pública” chegou a ser tal que, politicamente, é muito difícil agir fora da mídia ou contra ela.

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