domingo, 4 de janeiro de 2009

A visão de natureza humana de Freire

Freire disse: “a experiência nos ensina que nem todo o obvio é tão óbvio quanto parece”. Daí sua ênfase no fato de que “toda prática educativa envolve uma postura teórica por parte do educador. Esta postura, em si mesma, implica – às vezes mais, as vezes menos explicitamente – uma concepção dos seres humanos e do mundo”.
Aquilo que é válido para a pratica educacional certamente vale também para qualquer outra prática, e por essa razão Freire sempre faz referencias explicitas a sua interpretação do homem e de sua relação com os outros homens do mundo. De fato, em todos seus trabalhos, ele reitera uma distinçao entre homens e animais em seu relacionamento com o mundo, distinção que implica um tipo particular de relação entre os homens.
O autor parte do pressuposto de que os homens se diferenciam dos animais de maneira particular porque são capazes de criar e inovar seu mundo.
Freire também utiliza a relação do homem com a natureza para explicar o tipo de criação que é exclusivo dos seres humanos. A essa relação do homem com o mundo ele chama “práxis”, usando a palavra “contatos” para identificar as relações entre os animais e o mundo.
A visão que o autor tem do ser humano como sendo um sujeito em relação com o mundo, implica uma concepção das relações entre os homens que fundamenta a compreensão de seu conceito de comunicação. Em sua visão do homem e do mundo, Freire se credencia a ser incluído na mesma tradição filosófica de existencialistas como Buber, Mounier, Marcel, Camus, Jaspers e Rosenzweig, que segundo Maurice Friedman, encaram o “diálogo, a comunicação e a relação Eu-Tú não enquanto uma dimensão do ego, mas como realidade existencial e ontológica na qual o ego é criado e através da qual satisfaz e autentica a sí mesmo”.
Em seu Extensão ou comunicação?, Freire argumenta que “o mundo social humano não existiria se não fosse um mundo capaz de comunicar” e prossegue afirmando que “o mundo dos seres humanos é um mundo de comunicação”. Afirma em outra obra: “uma pessoa só pode existir em relação a outras que também existem, e em comunicação com elas”. Freire afirma ainda que:

“os homens não podem ser verdadeiramente humanos sem a comunicação, pois são criaturas essencialmente comunicativas. Medir a comunicação equivale a reduzir o homem à condição de ‘coisa’. Somente através da comunicação é que a vida humana pode adquirir significado”.

Encarando o homem como um sujeito criativo em relação como o mundo e um ser essencialmente comunicativo em relação como os outros homens, Freire estabelece a base filosófica imediata de seu conceito de comunicação.


A comunicação como relação social e política

Ao enfatizar que a comunicação significa co-participação dos Sujeitos no ato de pensar, que o objeto de conhecimento não pode se constituir no termo exclusivo do pensamento, mas, de fato, é seu mediador, e que o conhecimento é constituído mediante as relações entre os seres humanos e o mundo, Freire está na verdade definindo a comunicação como a situação social em que as pessoas criam conhecimento juntas, transformando e humanizando o mundo, em vez de transmiti-lo, dá-lo ou impô-lo. A comunicação é uma interação entre Sujeitos iguais e criativos. Mas esta intenção é de natureza tal que necessita estar fundada no diálogo.
Embora em sua obra os conceitos de Comunicação e Diálogo sejam empregados indistintamente, para Freire “só o diálogo comunica”. Ele insiste neste ponto afirmando que:

“dialogar não significa invadir, manipular, ou ‘fazer slogans’. Trata-se, isto sim, de um devotamento permanente à causa da transformação da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma da própria existência humana, está excluído de toda relação na qual alguns homens sejam transformados em ‘seres para o outro’ por homens que são falsos ‘seres para si’. É que o diálogo não pode travar-se numa relação antagônica. O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o transformam, e transformando-o, o humanizam para a humanização de todos”.

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