quinta-feira, 24 de julho de 2008

O sonho - Parte II

Márcio lhe pediu que o deixasse em terra firme para poder voltar para casa.
— Capitão, onde estamos?
— Temos um carregamento de açúcar para interceptar. Não podemos perder tempo, pois outros piratas querem o “ouro branco” — foi a sua resposta.
“Como isso foi acontecer comigo?”, perguntou-se. Não conseguia acordar deste sonho, que o prendera ao mar e a um navio de piratas.
De repente, surgiu o navio mercante que deveria ser interceptado.
— Içar velas. Avante homens. Mirar os canhões.
As palavras do capitão lhe arrepiaram a espinha, pois iria começar o ataque.
No embate, as duas embarcações começaram a afundar. Desesperado, ele viu que a sua única salvação era o barco que os piratas estavam descendo para o mar.
Com ele, chegaram numa ilha e os outros foram buscar abrigo e socorro, deixando-o sozinho. Embora desesperado, ponderou que estava em terra firme e que nada seria pior do que estar perdido no mar.
Com fome, resolveu pescar um peixe e assá-lo numa fogueira feita com pedras e madeira. Porém, quando pegava a madeira, Márcio se deparou com uma linda nativa. A garota estava nua e ficou assustada ao vê-lo.
— Quem é você? — perguntou ela.
— Sou Márcio. Estou perdido e com fome. Como é seu nome?
— Sou Janaína e moro aqui.
Márcio não queria mais acordar daquele sonho, pois Janaina não era um pesadelo.
A nativa o levou até a uma cabana de tapera, onde havia colocado, sobre uma folha de bananeira, peixes, frutas, água etc. Quando saciou a fome, ela disse que aquele era o seu futuro e que, algum dia, eles iriam se encontrar para viver um grande romance. Tudo o que havia acontecido era coisa do destino e que as coisas mudam não conforme as nossas vontades, mas conforme as nossas ações. Ele concluiu que, durante todo aquele tempo, só desejou algo que o confortasse.
A nativa disse que lhe daria uma prova de que tudo aquilo era verdade.
— Você alcançará tudo o que quiser. Insista , nunca desista.
Quando ela ia tocar seus lábios, ele acordou com o barulho do despertador.
Durante vários dias, a imagem de Janaína não saiu de sua mente. Nas ruas tentava ver a imagem de Janaína refletida nos prédios, como uma santa ou uma divindade, mas nada de encontrar a misteriosa nativa. Voltava para casa com esperanças de sonhar com aquela paixão, mas nada acontecia. Tentava de todas as formas lembrar aqueles poucos momentos que pareciam eternos. Por mais que tente sonhar com a garota, baseado nas palavras de que tudo o que você faz resulta numa conseqüência, nada de diferente acontecia.
No entanto, sua obstinação, foi tanta, que começou uma busca insensata. Colocou anúncios em jornais que descreviam a moça. Foi para internet e buscou inúmeros perfis. Mas nada encontrou. Sozinho, se lembrava da situação em que estava desprotegido e foi confortado por aquela que lhe deu de comer e beber.
Começou a acreditar que tudo aquilo não passava de um sonho, uma alucinação. Desistiu, sabendo que a vida é real e que nunca se deve entregue ao sonho e não vivendo baseado em ilusões. A vida é feita de competições e ele não podia perder tempo alimentando desejos insólitos e infundados que se baseavam em irrealidades provocadas pelo desejo e até quem sabe pelo stress moderno.
Márcio, novamente levava uma vida normal e pacata, com suas rotinas e cumprindo suas obrigações. Em seus sonhos, já não tinha mais devaneios ou ilusões contraditórias, mas por incrível que pareça, sonhava com coisas relacionadas ao seu trabalho, como o esforço para não perder um negócio ou não perder um cliente.
Mas, como a vida e a sua formação são mistérios que ninguém pode explicar, Márcio, chega a casa, liga sua secretária eletrônica e ouve um recado. Quem poderia ser? Ao ouvir a mensagem, a pessoa do outro lado da linha se referia ao anúncio no jornal que procurava uma garota que morava próximo à praia e se chamava Janaína. A moça falou que se ele estivesse interessado, poderia ligar para ela, mas no entanto, ela deu um número muito estranho: 300-300-3000.
- Que número diferente, acho que vou ligar agora mesmo.
Já era tarde, se passavam das 23 horas, mas mesmo assim, ligou para Janaina.
- Alô? Gostaria de falar com a Janaina.
- É ela mesma, quem fala?
- Sou eu, o Márcio, que colocou o anúncio no jornal.
- Há, é você, porque demorou tanto para me ligar? Faz duas semanas que estou tentando falar com você e nada.
Ele não entendeu a conversa da moça, pois escutou a gravação naquele dia. Mas, para não ser chato, inventou que estava viajando e que só hoje conseguiu ouvir os recados.
Como ele havia ligado para ela, começaram a conversar e ficaram muito amigos. Ela lhe falou alguns segredos e ele lhe fez várias confidências e declarações.
A amizade e a cumplicidade aumentou e os dois resolveram se encontrar na beira da praia, como ela sugeriu. Com encontro marcado, Márcio vai dormir e novamente sonha com Janaina, já não mais despida, mas com uma bela roupa branca que significava a pureza. No sonho, disse para ele não ficar preocupado, pois gostava muito dele, mas não podia ir, pois fazia parte da sua imaginação e representava um desejo oprimido.
No dia e na hora marcada, Márcio coloca sua melhor roupa e foi ao encontro. Senta-se num banco e a espera. Ela não aparece e ele ficou mais de quatro horas esperando. Inconformado, liga para o número 300-300-3000, no qual ninguém atende. Insatisfeito, liga para operadora telefônica e a mesma informa que o número não existe. Sem entender nada, se vira para o mar e nota que o mesmo navio que o havia recolhido do mar, passava bem a sua frente. Ele não entendeu e ao fechar os olhos e os abrir novamente, notou que o navio havia desaparecido.
Vai embora e imagina como aquela moça que ele conheceu por telefone e conversou durante vários dias não foi ao encontro e ele, ao retornar a ligação, é informado que o número não existe mesmo ligado várias vezes. E aquele navio, como apareceu e desapareceu misteriosamente?
Quando se deita, pensando em sonhar com Janaina, Márcio é acometido por uma febre e vai ao médico. A febre aumenta e Márcio se sente muito mal, ao ponto de ficar internado durante uma semana.
Conclusão: O médico de Márcio diagnosticou que ele sofria de dois distúrbios psiquiátricos conhecidos por bi-polar e esquizofrenia. No bi-polar, as pessoas sofrem alucinações e tem muitos devaneios, acreditando que situações imaginárias são reais. O médico disse que o barco e Janaina não eram mais do que fruto de sua imaginação. O barco representava as suas angústias e a nativa, uma fuga encontrada por seus anticorpos. Ao ligar para a moça, num número desconhecido, Márcio se induzia a acreditar que estava falando com alguém, mas, na verdade, tudo não passava de alucinações, que devido a sua vida estressante, gerou um quadro esquizofrênico depreciativo em que necessitava de alguém que o ajudasse à auto se afirmar e encontrar seus desejos.

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