sábado, 15 de dezembro de 2007

Piranã - Fim


Mré se emocionou e ficou interessada, porém, lembrou-se de Piranã. O índio, ao perceber sua preocupação, disse que o condor, um dia, voltaria. Perguntou se eles queriam ouvir a outra parte da história. Concordaram, mas mantinham o semblante preocupado. O ancião se concentrou, fixou o olhar no horizonte e continuou.
Depois daquele dia, o homem tinha vida própria, andava na chuva, no sol, entrava em rios, montanhas, enfim, por onde quisesse. Tupã via sua alegria, mas notava que estava só. Resolveu dar-lhe um irmão. Quando a criatura dormiu, tirou uma costela e dela fez um ser igual e ele. Mas, para que não houvesse confusão e para que não soubessem quem foi criado primeiro, o Criador chamou os gêmeos de Matehuala e Túxpan. Como andavam pela terra, Tupã lhes deu poder para criar animais e se transformarem no que quisessem, no entanto, não teriam a forma humana ao mesmo tempo. Matehuala, durante o dia, seria homem, criaria os animais conforme a sua vontade e, em seu rosto, haveria um círculo. Durante a noite, se transformaria em animal. Túxpan teria riscos no rosto e daria continuidade à criação de Matehuala. Nas trevas, seria humano, e seus animais teriam hábitos noturnos, como a coruja, o morcego, o cachorro do mato, o lagarto e a preguiça. A perfeição de Tupã era tanta que, durante o dia, Túxpan virava uma águia e acompanhava Matehuala e, na noite, Matehuala transformava-se em um cachorro do mato.
Túxpan criava um ser e, quando o sol nascia, metamorfoseava-se em animal, Matehuala então completava o trabalho. Assim surgiu o tamanduá. Uma vez, Túxpan criava um ser quando o irmão, transformado numa coruja, avistou muitas formigas. Elas comiam tudo e devastavam o caminho por onde passavam. Túxpan não sabia o que fazer. Ao raiar do dia, o ser em suas mãos estava inacabado. Transformou-se numa águia e voou bem alto, acima das estrelas, para ver as formigas. Avistou uma sombra que caminhava durante o dia. As formigas eram tantas que formavam uma montanha com mais de dois quilômetros de altura. Matehuala pensou rápido e fez um animal com a barriga e o nariz grande, além de uma boca comprida, capaz de comer um formigueiro com um único sopro. Assim nascia o tamanduá.
— Mas como um homem se transforma em animal? — queria saber Mré.
O ancião respondeu que, para Tupã, nada é impossível e, quem sabe, Piranã transformou-se num homem ou em outro animal.
— Pára com isso, assim você deixará a princesa mais triste — falou Hyn.
Sem perder a postura, o homem disse que os seres que fazem o bem para o mundo e para seus semelhantes podem tudo aos olhos do Criador e perguntou ao casal se queriam saber o fim da história. A princesa, com os olhos lacrimejantes deixou cair várias lágrimas no chão que rolaram pela terra e foram dormir no pé de um ipê. A árvore, imediatamente, floresceu belas flores roxas e aos pés do ipê brotou um imenso e caudaloso rio.
Tupã resolveu que Matehuala e Túxpan deviam ter filhos para habitar o planeta. Os filhos de Matehuala tinham, no rosto, um risco horizontal e os de Túxpan, um círculo. Os descendentes de Matehuala deveriam casar-se com os filhos de Túxpan, mas nunca um filho de Matehuala poderia se unir a um descendente de Matehuala. Assim, quem tivesse a marca de um risco viveria e teria filhos com os que têm círculos no rosto. Se houvesse um casamento errado, as duas tribos desapareceriam da face da Terra por desrespeitar a tradição.
— Mas como saber quem é Matehuala ou Túxpan? — perguntou Hyn.
— Olhe seu rosto refletido na água e saberá quem tu és: Matehuala ou Túxpan. Veja, analise e descubra sua identidade. Em qual animal você pode se transformar? Na águia? No onça? No cavalo? Pense no seu pai. É o homem que determina os filhos Matehuala ou Túxpan. Hyn, peço que vá morar com a família de sua mulher, dê continuidade aos trabalhos de seu sogro, proteja e defenda a família da sua mulher.
Isso mexeu com a cabeça de Mré e Hyn. Anoitecia e eles tinham que ir embora, mas, antes de se despedir, o grande índio falou que faltava o fim da história.
— Como, no mundo, a vontade de Tupã deve ser respeitada, chegará o dia em que os filhos de Matehuala e Túxpan, homens de carne e osso, não habitarão o mundo, em seu lugar, haverá homens de metal com olhos de vidro, corpo resistente à chuva de fogo, tempestade de areia e ao sol escaldante. Seu alimento será a energia de Quará, o rei Sol. Ela será renovada quando a seta de Quará tocar suas cabeças. Sua força durará por muito tempo, mesmo que o mundo esteja em trevas. Ele nunca envelhecerá ou morrerá e seu nome será Robô.
— Porque o homem de metal viverá no lugar do homem de carne e osso? — perguntou Mré.
— Os homens de carne e osso destruirão tudo por ganância. Não existirão mais recursos naturais, como a água e as árvores, e o poder de Quará será intenso.
Depois disso, levantaram-se e despediram-se. O ancião ergueu a cabeça e disse a Mré que Piranã nunca mais voltaria para casa.
— Seu condor foi escolhido por Tupã para levar a mensagem de paz aos homens de carne e osso. Dizer a todos que a preservação do mundo é necessária, senão, em breve, os homens de metal serão os próximos habitantes do planeta. Piranã voará alto, acima das estrelas para cumprir sua missão.
Mré foi para casa e sua tristeza era tal que suas lágrimas formaram uma grande lagoa com peixes e plantas e, ao abraçar Hyn, viu uma estrela brilhar no céu e uma ave condoreira, negra e azul lá no alto. “Era Piranã, que voava longe para levar a mensagem da paz.”

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