terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A ambiguidade dos oprimidos

Diálogo e desconfiança

Um segundo paradoxo emerge quando Freire preconiza uma desconfiança em relação aquilo que denomina a “ambiguidade dos oprimidos”.
Como conseqüência do diálogo fundado no “amor, humildade e fé do homem” - palavras chave compartilhadas pela tradição dialógica – Freire crê no desenvolvimento de uma confiança mútua que leva “aqueles que dialogam a uma associação cada vez mais íntima na tarefa comum de dar nome ao mundo”. Diz também que o “homem dialógico confia nos outros homens antes mesmo de conhece-los pessoalmente”.

Diálogo por meio do testemunho

O terceiro paradoxo se refere ao testemunho como forma de diálogo da liderança política com os oprimidos. Apesar das amplas implicações políticas do conceito de dialogo, Freire nunca abandona inteiramente a ênfase de Buber na comunicação interpessoal, oral, face a face. Mas ao admitir a impossibilidade do diálogo entre antagonistas (classes sociais antagônicas), o modo pelo qual o diálogo pode ser aplicado no nível social, às vezes não é suficiente claro.
Se complexos problemas aqui implícitos envolvem em particular, a relação entre a liderança revolucionária e os oprimidos. Há dúvida sobre como uma organização política, voltada para a ação revolucionária, pode ser construída internamente com uma base dialógica. O próprio Freire chegou a relatar alguns aspectos dessas questões. Em Pedagogia do oprimido, ao descrever a organização como um dos elementos constitutivos da teoria dialógica da ação cultural, Freire enfatiza a necessidade de que os dirigentes “dêem testemunho do fato de que a luta pela libertação é uma tarefa comum”. Em certas circunstâncias, Freire diz que é por meio do testemunho que uma relação dialógica entre dirigentes e oprimidos pode ser estabelecida:

“O que pode variar, em função das condições históricas numa sociedade, é o modo como testemunhar. O testemunho é um constituinte da ação revolucionária. Por isso que se impõe a necessidade do conhecimento crítico do momento histórico que se dá a ação da visão do mundo que tenham ou estejam tendo as massas populares, da percepção clara de qual seja a contradição principal e o principal aspecto da contradição que vive a sociedade, para se determinar o que é o testemunho. Na teoria dialógica da ação, é uma das conotações principais do caráter cultural e pedagógico da revolução".

Para Freire, o testemunho corajoso do dirigente e sua simultânea habilidade para se comunicar com os oprimidos não são fundamentais apenas para a ação revolucionária, mas constituem a própria medida de sua liderança efetiva. Freire tem plena consciência dos riscos aqui implícitos: o risco de que um dirigente perca o contato com o povo e se vincule com os oprimidos por meio de uma relação antidialógica, manipulada, traindo seu anterior compromisso revolucionário com o diálogo.
Freire partilha a mesma teoria da comunicação da tradição dialógica, mas sua Weltanschauung (visão de mundo) é única. Seu compromisso religioso lhe fornece uma visão social incomparável, que determina a configuração política de sua epistemologia. Ele exemplifica claramente que se pode romper com a distinção entre sujeito e objeto e escolher o diálogo em vez do monólogo por razões pedagógicas. Contudo é sua visão abrangente do mundo que, em última instância determina o foco e a direção desse engajamento.
É uma visão do mundo diferente que, em última instância leva Buber a dizer que o diálogo “promove a personalidade e o conhecimento. Isso leva Freire a exigir que promova a libertação humana. E é a visão do mundo diferente que ajuda em última instância, sugere a Buber que o diálogo prospera melhor em privado, na comunicação oral por longos períodos. Enquanto Freire supõe que o diálogo deve visar a mudança revolucionária. O primeiro é moralista, enquanto o segundo é marcadamente político; um sublinha a ação interior, o outro destaca a ação social; e isso não porque as teorias do diálogo de ambos sejam essencialmente diversas, mas porque são elaboradas no interior de diferentes Weltanschauung.
A formulação social e política de Freire, remete à sociologia da Escola de Chicago, a primeira tentativa de formular uma teoria das comunicações nos Estados Unidos. Ela serve para mostrar as preocupa;coes de Freire, embora condicionadas pela geografia e pela teologia, envolvem questões de permanente relevância para o campo das comunicações. A noção de comunicação, na perspectiva de Chicago, deriva de suas raízes etimológicas: comum, comunhão, comunidade, communis. A sociedade – diz Dewey –existe por meio da comunicação; e é o quadro de referência comum da sociedade que forma a essência do processo de comunicação. Embora mais dialético do que a definição de Dewey possa sugerir, Freire partilha uma orientação communis. Segundo R. Willians, ele concorda que “a idéia de uma relação social” é básica em comunicação. Por isso quando Dewey diz que “a comunicação é a coisa mais maravilhosa que existe”, o faz porque a vida social já esta pressuposta na comunicação. C. H. Cooley exemplifica a importância que a comunicação adquire na Escola de Chicago quando a coloca entre os grupos primários e a democracia efetiva. Sendo que sua visão da comunicação se enraíza e é construída a partir de uma sociologia básica.

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