domingo, 14 de junho de 2015

Presentes no Paraná, índios Kaingangs ainda resistem a ocupação dos não índios.

Operário das Letras: Como você observa a Cultura Kaingang hoje:
Aparecido Marcolino: A Cultura Kaingang perdeu muito devido à civilização branca. Eles ainda trabalham na agricultura, mas devido à ocupação das terras pelos não índios, a sociedade se misturou e houve uma perda grande. Porém, as lideranças indígenas mais jovens, resgatando a cultura. Sou um deles e coordeno o Resgate, um projeto que resgata o que foi perdido através de constantes rupturas.

OL: Como é ser Kaingang?
AM: Kaingang é uma tribo e o nome significa índio. Também somos denominados “Coroados”. Se vejo um índio guarani, na minha língua afirmo que ele é um kaingang, ou seja, um índio. Tenho orgulho e não vergonha de ser indígena.

OL: O que é feito para o resgate da cultura indígena e como é a recepção?
AM: Procuramos os mais velhos para nos ensinarem o fazer o correto. Eles a conhecem. O aprendizado da cultura oral é transmitido às crianças e geralmente elas são convidadas para se apresentar em diversos lugares. As crianças sabem dizem o que representa aquilo que fazem.

OL: Como é a agricultura hoje?
AM: A fartura que existia há anos, não há mais. Os exemplos são as caças e a pesca. Plantamos arroz, feijão, mandioca e milho. Ainda não plantamos soja, mas estamos nos adaptando às novas tecnologias.

OL: Qual é a relação do índio com a soja?
AM: Estamos aprendendo o cultivo. Temos índios aprendendo e se dedicando aos estudos da soja. Em alguns anos ela fará parte de nossa economia.

OL: Como é tratada a questão das terras indígenas?
AM: Quando alguém me faz esta pergunta fico pensando. Pela lei, fizeram um decreto em 1775 que nos denominam povos indígenas. Após este decreto, fomos classificados como invasores de terras. Suponhamos que índio invada essas terras? Ele invadiu o que era dele já. No entanto não fazemos isto. Estamos tentando descobrir o que foi perdido. Quem sabe daqui alguns anos, resgatamos o que se perdeu. Lutamos por isto. Os índios de hoje são diferentes daqueles do passado, pois freqüentam universidades e estão inseridos em diversos ramos, como direito e política.

Adriano Francisco da Cruz faz estagio voluntário na Ação Social de Londrina. Ele desenvolve um projeto que atende a população Kaingang do Apucaraninha.

OL: Como é trabalhar com os Kaingangs?
Adriano Francisco: É uma experiência boa por eu ser aluno de Ciências Sociais. A antropologia estuda os povos indígenas, mas teoricamente. Quando se une a teoria, associada a trabalhos etnográficos sobre a comunidade indígena e se começa a conviver, seu conhecimento é enriquecido através da junção prática e teoria. A partir do contato com os não indígenas, se observa inúmeras teorias clássicas indígenas. Vejo mudanças e a questão da resistência indígena. Aparente eles afirmam que deixam de ser índios, ao mesmo tempo que resistem à mudança. A resistência está presente no fato da cultura ser dinâmica e cada vez mais recria as formas tradicionais no presente. A junção da teoria com a pratica é pura antropologia.

OL: Como o kaingang faz isso?
AF: A língua é um exemplo, onde a usam na Reserva do Apucaraninha. Eles são bilíngües e tem a preferência pelo kaingang. Coordeno a escolinha de futebol, feita no intuito de prevenir o alcoolismo, situação grave nas terras indígenas. Quando participamos de campeonatos e há torcida presente, eles se comunicam em kaingang. Isto ocorre entre os jogadores. Isso é bem forte. Há outras situações que se deve observar antropologicamente. O futebol é o maior exemplo: ao jogar futebol, ele reforça sua cultura, afirmado ser kaingang.

OL: Como é o kaingang?
AF: A condição é crítica devido não possuírem os recursos de antigamente. Então, vivem na miséria por falta de alimentos. Muitas desejam obter uma televisão, porém não tem apego ao material. O que se nota é a questão familiar, muito forte entre eles e o fato de nunca negarem alimento. Por mínima que seja a alimentação que possuem e por mais miseráveis que estão neste sentido, sempre que houver uma refeição eles convidam outros afim de compartilhar. São costumes tradicionais que mantém os laços de família. Este não apego aos bens materiais é que determina a cultura.

OL: Como fazem para sobreviver?
AF: Vivem da agricultura de subsistência, pensões, aposentadorias e venda de artesanato, sendo que a maior renda vem deste último. Alguns trabalham na FUNAI e FUNASA. Porém, mesmo sendo funcionário da FUNAI, tem uma família grande para sustentar, cerca de dez a quinze pessoas.

OL: Há estimulo para o crescimento da população indígena?
AF: Há cinco anos existiam cerca de 750 pessoas nas terras indígenas do Apucaraninha. Hoje são mais de 1500. O agravante é que a maior parte são crianças. A Marlene de Oliveira, que atua na Secretaria de Ação Social, desenvolve ações coordenadas para dar suporte a estas crianças. A escola é um exemplo, onde fazem a educação conforme a cultura kaingang. Os professores são índios e há duas não índias, mas que são bilíngües. Quanto à questão de saúde há acompanhamento pelas Unidades Básicas de Saúde e consultas todos os dias. Um dentista, um médico, uma enfermeira e três auxiliares de enfermagem vão à reserva, além dos agentes de saúde indígenas, que acompanham as crianças. Ainda existe o alcoolismo, onde se aplica, nas escolas, para alunos e professores, oficinas, folders, cartilhas e palestras. A escolinha de futebol é um grande começo.

OL: Como é o trabalho da FUNAI?
AF: A FUNAI quer “lavar as mãos” em relação ao atendimento dos kaingangs. A reserva de Londrina, comparada a outras, é privilegiada por conta da Prefeitura, que encaminha cestas básicas e nos ajuda a fazer documentos. Quando o índio é acolhido há despesas com água, luz e manutenção. O dever de tudo isto é da FUNAI devido a jurisdição sobre o índio. A política indianista deixa a desejar. Várias leis e questões, do estatuto, não são cumpridas. Os índios perderam muito, mas aos poucos reconquistam. A demarcação de terras é um dos primeiros passos.

O índio Renato Crine Caiene, afirma que os kaingangs da Reserva do Apucaraninha, têm conhecimento e uma história. “As comunidades indígenas do presente se diferem das que existiam no passado. A quantidade e animais nas matas e de peixes nos rios é bem menor. As aldeias foram destruídas e a quantidade de terras disponíveis é bem menor e pouco preservada. Cultura e conhecimento são poucos também. Dizemos para nossos filhos preservar. O que conhecemos, transmitimos para eles. Preservar a cultura é algo que ninguém pode tirar. É um direito e cada um tem o seu”.

OL: Quantas famílias existem na reserva?
RC: Não faço idéias, mas há cerca de 1500 pessoas vivendo na reserva. São índios que vivem e trabalham em função da agricultura. O índio tornou-se um cidadão e tem direitos iguais. Deve-se construir a mentalidade de nos tornarmos lideranças. Sou da associação e luto pelos direitos da comunidade. Nossa população está aumentando e isto é uma preocupação. A terra é pequena e daqui alguns anos não haverá espaço para a agricultura. Por isto a demarcação. O índio é um cidadão e precisa de maior atenção de todas as esferas políticas. Temos o direito ao voto e direitos iguais.

OL: Como é ser kaingang?
RC: Nasci no Apucaraninha. Minha mãe é kaingang e meu pai xoklen. Tenho dois “sangues”. Ser índio é uma história muito longa, devido as tradições que conheço. O índio é da terra e o primeiro brasileiro foi um índio. Infelizmente se tem a idéia que o índio é um ser primitivo que vive no mato. Ele é uma pessoa que têm direitos, é um ser humano. O preconceito deve acabar e se criar uma nova visão. Os índios preservam a cultura, trabalham com artesanato e agricultura. Eles vêm para a cidade vender e negociar o artesanato. Mas, devido a simplicidade, sofrem inúmeros preconceitos. Para enfrentar isto tem que ser fortes. O índio, pela sua natureza é livre. Eles desejam viver livres como na aldeia, porém a cidade não permite isto. Tamanho é o preconceito, que chamam a policia, mesmo que não estejam fazendo nada de errado. Isto é preconceito. Outro preconceito se refere ao fato de muitos dizerem que o índio não faz nada. Mas isto não é verdade. Na verdade faltam recursos para trabalharmos e alimentação. Às vezes não há sementes para o plantio. Ou, quando existe a semente não há dinheiro para comer. Qualquer serviço, se não houver recursos para comida, ele não é executado. A barriga também dói.

OL: O índio comia muita caça?
RC: Antigamente sim. Havia caça, frutas e pinho. Este era assado, misturado com carne e peixe. Mas hoje não existe. Está devastado. Os que existem nas aldeias estão preservados.

OL: O que pode ser feito para poder melhorar?
RC: O Governo do Estado, junto ao Governo Federal e prefeituras devem elaborar um projeto para melhorar a qualidade de vida. O mesmo deve estimular o trabalho e a produção de comida. No Paraná são em torno de 34 aldeias, entre kaingangs e guaranis. É difícil o índio trabalhar na cidade, devido o grau de instrução e o preconceito. O índio tem que preservar uma cultura e viver outra. Por isto, encontra inúmeras dificuldades culturais, principalmente no que se relaciona a língua. Nem que seja uma pessoa formada, ele sempre será um índio e carregará cultura e tradições. Isto é impossível de ser retirado, de qualquer nação.


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