Operário das Letras: Como você
observa a Cultura Kaingang hoje:
Aparecido Marcolino: A Cultura
Kaingang perdeu muito devido à civilização branca. Eles ainda trabalham na agricultura,
mas devido à ocupação das terras pelos não índios, a sociedade se misturou e
houve uma perda grande. Porém, as lideranças indígenas mais jovens, resgatando
a cultura. Sou um deles e coordeno o Resgate, um projeto que resgata o que foi
perdido através de constantes rupturas.
OL: Como é ser Kaingang?
AM: Kaingang é uma tribo e
o nome significa índio. Também somos denominados “Coroados”. Se vejo um índio
guarani, na minha língua afirmo que ele é um kaingang, ou seja, um índio. Tenho
orgulho e não vergonha de ser indígena.
OL: O que é feito para o resgate
da cultura indígena e como é a recepção?
AM: Procuramos os mais
velhos para nos ensinarem o fazer o correto. Eles a conhecem. O aprendizado da cultura
oral é transmitido às crianças e geralmente elas são convidadas para se
apresentar em diversos lugares. As crianças sabem dizem o que representa aquilo
que fazem.
OL: Como é a agricultura
hoje?
AM: A fartura que existia há
anos, não há mais. Os exemplos são as caças e a pesca. Plantamos arroz, feijão,
mandioca e milho. Ainda não plantamos soja, mas estamos nos adaptando às novas
tecnologias.
OL: Qual é a relação do
índio com a soja?
AM: Estamos aprendendo o
cultivo. Temos índios aprendendo e se dedicando aos estudos da soja. Em alguns
anos ela fará parte de nossa economia.
OL: Como é tratada a
questão das terras indígenas?
AM: Quando alguém me faz esta
pergunta fico pensando. Pela lei, fizeram um decreto em 1775 que nos denominam
povos indígenas. Após este decreto, fomos classificados como invasores de
terras. Suponhamos que índio invada essas terras? Ele invadiu o que era dele já.
No entanto não fazemos isto. Estamos tentando descobrir o que foi perdido. Quem
sabe daqui alguns anos, resgatamos o que se perdeu. Lutamos por isto. Os índios
de hoje são diferentes daqueles do passado, pois freqüentam universidades e estão
inseridos em diversos ramos, como direito e política.
Adriano Francisco da Cruz faz
estagio voluntário na Ação Social de Londrina. Ele desenvolve um projeto que atende
a população Kaingang do Apucaraninha.
OL: Como é trabalhar com
os Kaingangs?
Adriano Francisco: É uma
experiência boa por eu ser aluno de Ciências Sociais. A antropologia estuda os
povos indígenas, mas teoricamente. Quando se une a teoria, associada a trabalhos
etnográficos sobre a comunidade indígena e se começa a conviver, seu
conhecimento é enriquecido através da junção prática e teoria. A partir do contato
com os não indígenas, se observa inúmeras teorias clássicas indígenas. Vejo mudanças
e a questão da resistência indígena. Aparente eles afirmam que deixam de ser
índios, ao mesmo tempo que resistem à mudança. A resistência está presente no
fato da cultura ser dinâmica e cada vez mais recria as formas tradicionais no
presente. A junção da teoria com a pratica é pura antropologia.
OL: Como o kaingang faz isso?
AF: A língua é um exemplo,
onde a usam na Reserva do Apucaraninha. Eles são bilíngües e tem a preferência pelo
kaingang. Coordeno a escolinha de futebol, feita no intuito de prevenir o
alcoolismo, situação grave nas terras indígenas. Quando participamos de campeonatos
e há torcida presente, eles se comunicam em kaingang. Isto ocorre entre os
jogadores. Isso é bem forte. Há outras situações que se deve observar antropologicamente.
O futebol é o maior exemplo: ao jogar futebol, ele reforça sua cultura,
afirmado ser kaingang.
OL: Como é o kaingang?
AF: A condição é crítica
devido não possuírem os recursos de antigamente. Então, vivem na miséria por
falta de alimentos. Muitas desejam obter uma televisão, porém não tem apego ao material.
O que se nota é a questão familiar, muito forte entre eles e o fato de nunca
negarem alimento. Por mínima que seja a alimentação que possuem e por mais miseráveis
que estão neste sentido, sempre que houver uma refeição eles convidam outros afim
de compartilhar. São costumes tradicionais que mantém os laços de família. Este
não apego aos bens materiais é que determina a cultura.
OL: Como fazem para
sobreviver?
AF: Vivem da agricultura
de subsistência, pensões, aposentadorias e venda de artesanato, sendo que a
maior renda vem deste último. Alguns trabalham na FUNAI e FUNASA. Porém, mesmo
sendo funcionário da FUNAI, tem uma família grande para sustentar, cerca de dez
a quinze pessoas.
OL: Há estimulo para o crescimento
da população indígena?
AF: Há cinco anos existiam
cerca de 750 pessoas nas terras indígenas do Apucaraninha. Hoje são mais de
1500. O agravante é que a maior parte são crianças. A Marlene de Oliveira, que
atua na Secretaria de Ação Social, desenvolve ações coordenadas para dar
suporte a estas crianças. A escola é um exemplo, onde fazem a educação conforme
a cultura kaingang. Os professores são índios e há duas não índias, mas que são
bilíngües. Quanto à questão de saúde há acompanhamento pelas Unidades Básicas de
Saúde e consultas todos os dias. Um dentista, um médico, uma enfermeira e três
auxiliares de enfermagem vão à reserva, além dos agentes de saúde indígenas,
que acompanham as crianças. Ainda existe o alcoolismo, onde se aplica, nas
escolas, para alunos e professores, oficinas, folders, cartilhas e palestras. A
escolinha de futebol é um grande começo.
OL: Como é o trabalho da
FUNAI?
AF: A FUNAI quer “lavar as
mãos” em relação ao atendimento dos kaingangs. A reserva de Londrina, comparada
a outras, é privilegiada por conta da Prefeitura, que encaminha cestas básicas
e nos ajuda a fazer documentos. Quando o índio é acolhido há despesas com água,
luz e manutenção. O dever de tudo isto é da FUNAI devido a jurisdição sobre o
índio. A política indianista deixa a desejar. Várias leis e questões, do estatuto,
não são cumpridas. Os índios perderam muito, mas aos poucos reconquistam. A demarcação
de terras é um dos primeiros passos.
O índio Renato Crine
Caiene, afirma que os kaingangs da Reserva do Apucaraninha, têm conhecimento e uma
história. “As comunidades indígenas do presente se diferem das que existiam no
passado. A quantidade e animais nas matas e de peixes nos rios é bem menor. As aldeias
foram destruídas e a quantidade de terras disponíveis é bem menor e pouco
preservada. Cultura e conhecimento são poucos também. Dizemos para nossos
filhos preservar. O que conhecemos, transmitimos para eles. Preservar a cultura
é algo que ninguém pode tirar. É um direito e cada um tem o seu”.
OL: Quantas famílias
existem na reserva?
RC: Não faço idéias, mas há
cerca de 1500 pessoas vivendo na reserva. São índios que vivem e trabalham em função
da agricultura. O índio tornou-se um cidadão e tem direitos iguais. Deve-se
construir a mentalidade de nos tornarmos lideranças. Sou da associação e luto
pelos direitos da comunidade. Nossa população está aumentando e isto é uma
preocupação. A terra é pequena e daqui alguns anos não haverá espaço para a agricultura.
Por isto a demarcação. O índio é um cidadão e precisa de maior atenção de todas
as esferas políticas. Temos o direito ao voto e direitos iguais.
OL: Como é ser kaingang?
RC: Nasci no Apucaraninha.
Minha mãe é kaingang e meu pai xoklen. Tenho dois “sangues”. Ser índio é uma
história muito longa, devido as tradições que conheço. O índio é da terra e o
primeiro brasileiro foi um índio. Infelizmente se tem a idéia que o índio é um
ser primitivo que vive no mato. Ele é uma pessoa que têm direitos, é um ser
humano. O preconceito deve acabar e se criar uma nova visão. Os índios preservam
a cultura, trabalham com artesanato e agricultura. Eles vêm para a cidade
vender e negociar o artesanato. Mas, devido a simplicidade, sofrem inúmeros
preconceitos. Para enfrentar isto tem que ser fortes. O índio, pela sua
natureza é livre. Eles desejam viver livres como na aldeia, porém a cidade não permite
isto. Tamanho é o preconceito, que chamam a policia, mesmo que não estejam
fazendo nada de errado. Isto é preconceito. Outro preconceito se refere ao fato
de muitos dizerem que o índio não faz nada. Mas isto não é verdade. Na verdade
faltam recursos para trabalharmos e alimentação. Às vezes não há sementes para
o plantio. Ou, quando existe a semente não há dinheiro para comer. Qualquer
serviço, se não houver recursos para comida, ele não é executado. A barriga
também dói.
OL: O índio comia muita
caça?
RC: Antigamente sim. Havia
caça, frutas e pinho. Este era assado, misturado com carne e peixe. Mas hoje não
existe. Está devastado. Os que existem nas aldeias estão preservados.
OL: O que pode ser feito
para poder melhorar?
RC: O Governo do Estado,
junto ao Governo Federal e prefeituras devem elaborar um projeto para melhorar
a qualidade de vida. O mesmo deve estimular o trabalho e a produção de comida.
No Paraná são em torno de 34 aldeias, entre kaingangs e guaranis. É difícil o índio
trabalhar na cidade, devido o grau de instrução e o preconceito. O índio tem
que preservar uma cultura e viver outra. Por isto, encontra inúmeras
dificuldades culturais, principalmente no que se relaciona a língua. Nem que
seja uma pessoa formada, ele sempre será um índio e carregará cultura e tradições.
Isto é impossível de ser retirado, de qualquer nação.
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