domingo, 14 de junho de 2015

A dona da história.

          Ligue a TV no domingo a noite e verá as loas ao cinema brasileiro serem tecidas pelo vozeirão de Cid Moreira, no novo quadro cinéfilo Cena Mágica. Agora espere pelo plim-plim e será anunciada uma nova sessão semanal de cinema genuinamente tupiniquim, é o Intercine Brasil. Antes disso, em programas globais, você já deve ter visto os atores em cartaz nas salas de cinema do Brasil comendo pizza no dominical enfadonho, brincando com o papagaio da loira, ouvindo na madrugada o gordo entrevistador falar sem parar, babando em uma tarde de sábado pelo requebrado da playboy do mês, brincando sorridentes no programa vespertino da “mamãe do ano”, batendo um papo cabeça lá pelas altas horas do sábado e, para fechar, virando piada sem-graça na noite de terça-feira. Realmente o cinema brasileiro passa por um grande momento, mas de qual cinema estamos falando? Não será acaso algum se o próximo filme brasileiro que você for ver no cinema tiver o selo Globofilmes.

          Quantos dos últimos filmes nacionais que você assistiu tinham como protagonistas o galã e a mocinha daquela novela de sucesso? E quanto aos diretores, você já reparou como estão polivalentes, dirigindo tanto a sétima arte quanto o folhetim das oito? Pare e note como as tramas da telona agora assemelham-se às da telinha, com desencontros de casais, amores juvenis, humor fálico-escatológico, melodramas piegas com panos de fundo pseudo-excitantes e, como que transportado diretamente do último capítulo, um “foram felizes para sempre” de desfecho. Em meio a crise financeira que assola todos os setores da grande mídia, a maior empresa de comunicação do país viu na retomada da produção cinematográfica a salvação da lavoura. Valendo-se de sua força política, tecnológica e econômica, a Globo vem buscando monopolizar o cinema brasileiro, transformando-o em uma extensão de sua produção televisiva
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          Bombardeado por todos os lados, o público assiste a versão da dona da história. É convencido a cada filme lançado de que cinema brasileiro e Globo Filmes são sinônimos, e pior, sinônimos de qualidade. Um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, a mega-empresa carioca arroga-se o poder de escolher o que é bom ou não para ser visto. Como colosso da indústria cultural, segue piamente suas normas: padroniza, para melhor lucrar, o conteúdo assistido por milhões de pessoas, transformando-os em consumidores apáticos de seus conteúdos unidimensionais. Ë assim com o material televisivo e segue esse caminho o cinema. Aos que não se incluírem nesse novo padrão Globo de qualidade cinematográfica, restarão as dificuldades de patrocínio e financiamento, as restrições à distribuição e divulgação, a indiferença do público em relação a linguagem estética diferente, o fracasso de bilheteria. Enfim, o ostracismo para a grande massa, uma sala de exibição em algum circuito independente no centro velho de São Paulo.

          No mês de agosto, o Ministério da Cultura pôs em discussão o anteprojeto que pretende transformar a ANCINE (Agencia Nacional de Cinema) em ANCINAV. (Agência Nacional do Cinema e Audiovisual). Com o objetivo de regulamentar uma área que a família Marinho considera seu feudo, os ataques à proposta do MinC foram virulentos. No Jornal Nacional, como sempre mais timidamente, “especialistas” da área foram ouvidos, e, obviamente, posicionaram-se contra a proposta, denunciando o “dirigismo cultural” e o “intervencionismo governamental” do anteprojeto. O Jornal da Globo foi mais direto em seu ataque. Arnaldo Jabor, como que num desabafo editorial, classificou a proposta de autoritária e o governo federal de “democrático de dia, soviético à noite”. O impresso O Globo trouxe como manchete sobre o assunto “Projeto está eivado de dispositivos autoritários, quando não obscuros", recorrendo também ao expediente do governo stalinista contra os defensores da liberdade de expressão e mercado. A Rede Globo, infelizmente a maior formadora de opinião do país, demonstrou no episódio todo seu poder político, e deixou clara a mensagem: dirigismo cultural do governo não, dirigismo cultural global, com certeza.

          Esses movimentos fazem parte de uma estratégia mais ampla do conglomerado midiático: provar que ela, e somente ela, é responsável pela produção, promoção e divulgação do que classifica como cultura brasileira. Satisfeita sua ambição, o Brasil só poderá, então, ser visto em suas telas, ouvido por suas vozes, lido em suas páginas. O seminário “Conteúdo Brasil”, promovido pela empresa em fevereiro deste ano e alardeada como uma fantástica iniciativa pela defesa da cultura nacional nos dão uma pista sobre o propósito global. Uma outra pista são as propagandas institucionais da TV Globo. Tome, como exemplo, a propaganda que parabeniza seus “astros”. Depois de homenagear seus contratados, sempre “um do maiores talentos da cultura brasileira” , finalizam com “a Globo acredita que a cultura brasileira fica mais forte quando grandes empresas se unem a grandes talentos” Oras, todos sabemos quem é a grande empresa e quem são os grandes talentos. Peremptória para nossa discussão, a vinheta, acompanhada do logo maior, traz sua mensagem: “Brasil, a gente vê por aqui”.

          A cereja do bolo está guardada. O filme brasileiro concorrente ao Oscar é Olga, capítulo de trama das oito travestido em película cinematográfica. O clima ufano-nacionalista está sendo preparado. O risco é grande. No momento de júbilo, poderemos ter Galvão Bueno narrando a entrega das estatuetas douradas. Uma lágrima correrá dos lindos olhos azuis de Camila Morgado enquanto o narrador histérico berra seu antológico “acabô, acabô, acabô, acabô ... .Ë amigos, “haja coração”


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