Quantos dos últimos filmes nacionais que você assistiu tinham como protagonistas o galã e a mocinha daquela novela de sucesso? E quanto aos diretores, você já reparou como estão polivalentes, dirigindo tanto a sétima arte quanto o folhetim das oito? Pare e note como as tramas da telona agora assemelham-se às da telinha, com desencontros de casais, amores juvenis, humor fálico-escatológico, melodramas piegas com panos de fundo pseudo-excitantes e, como que transportado diretamente do último capítulo, um “foram felizes para sempre” de desfecho. Em meio a crise financeira que assola todos os setores da grande mídia, a maior empresa de comunicação do país viu na retomada da produção cinematográfica a salvação da lavoura. Valendo-se de sua força política, tecnológica e econômica, a Globo vem buscando monopolizar o cinema brasileiro, transformando-o em uma extensão de sua produção televisiva
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Bombardeado por todos os lados, o público assiste a versão da dona da história. É convencido a cada filme lançado de que cinema brasileiro e Globo Filmes são sinônimos, e pior, sinônimos de qualidade. Um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, a mega-empresa carioca arroga-se o poder de escolher o que é bom ou não para ser visto. Como colosso da indústria cultural, segue piamente suas normas: padroniza, para melhor lucrar, o conteúdo assistido por milhões de pessoas, transformando-os em consumidores apáticos de seus conteúdos unidimensionais. Ë assim com o material televisivo e segue esse caminho o cinema. Aos que não se incluírem nesse novo padrão Globo de qualidade cinematográfica, restarão as dificuldades de patrocínio e financiamento, as restrições à distribuição e divulgação, a indiferença do público em relação a linguagem estética diferente, o fracasso de bilheteria. Enfim, o ostracismo para a grande massa, uma sala de exibição em algum circuito independente no centro velho de São Paulo.
No mês de agosto, o Ministério da Cultura pôs em discussão o anteprojeto que pretende transformar a ANCINE (Agencia Nacional de Cinema) em ANCINAV. (Agência Nacional do Cinema e Audiovisual). Com o objetivo de regulamentar uma área que a família Marinho considera seu feudo, os ataques à proposta do MinC foram virulentos. No Jornal Nacional, como sempre mais timidamente, “especialistas” da área foram ouvidos, e, obviamente, posicionaram-se contra a proposta, denunciando o “dirigismo cultural” e o “intervencionismo governamental” do anteprojeto. O Jornal da Globo foi mais direto em seu ataque. Arnaldo Jabor, como que num desabafo editorial, classificou a proposta de autoritária e o governo federal de “democrático de dia, soviético à noite”. O impresso O Globo trouxe como manchete sobre o assunto “Projeto está eivado de dispositivos autoritários, quando não obscuros", recorrendo também ao expediente do governo stalinista contra os defensores da liberdade de expressão e mercado. A Rede Globo, infelizmente a maior formadora de opinião do país, demonstrou no episódio todo seu poder político, e deixou clara a mensagem: dirigismo cultural do governo não, dirigismo cultural global, com certeza.
Esses movimentos fazem parte de uma estratégia mais ampla do conglomerado midiático: provar que ela, e somente ela, é responsável pela produção, promoção e divulgação do que classifica como cultura brasileira. Satisfeita sua ambição, o Brasil só poderá, então, ser visto em suas telas, ouvido por suas vozes, lido em suas páginas. O seminário “Conteúdo Brasil”, promovido pela empresa em fevereiro deste ano e alardeada como uma fantástica iniciativa pela defesa da cultura nacional nos dão uma pista sobre o propósito global. Uma outra pista são as propagandas institucionais da TV Globo. Tome, como exemplo, a propaganda que parabeniza seus “astros”. Depois de homenagear seus contratados, sempre “um do maiores talentos da cultura brasileira” , finalizam com “a Globo acredita que a cultura brasileira fica mais forte quando grandes empresas se unem a grandes talentos” Oras, todos sabemos quem é a grande empresa e quem são os grandes talentos. Peremptória para nossa discussão, a vinheta, acompanhada do logo maior, traz sua mensagem: “Brasil, a gente vê por aqui”.
A cereja do bolo está guardada. O filme brasileiro concorrente ao Oscar é Olga, capítulo de trama das oito travestido em película cinematográfica. O clima ufano-nacionalista está sendo preparado. O risco é grande. No momento de júbilo, poderemos ter Galvão Bueno narrando a entrega das estatuetas douradas. Uma lágrima correrá dos lindos olhos azuis de Camila Morgado enquanto o narrador histérico berra seu antológico “acabô, acabô, acabô, acabô ... .Ë amigos, “haja coração”
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