domingo, 14 de junho de 2015

Mercado Editorial.

          Dizer que o brasileiro não possui o hábito de ler já se tornou lugar comum. Essa triste realidade é, porém, fácil de se comprovar. O Brasil tem hoje cerca de vinte milhões de leitores, ou seja, apenas 11% da população tem acesso à leitura. Segundo dados da Unesco, mais de mil municípios brasileiros não contam com acervo público de livros e, de acordo com pesquisa feita pelos professores Fábio Sá Earp, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e George Kornis, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a quantidade de livros vendidos no país caiu pela metade desde 1995. Além de tudo, temos de ouvir que a cidade de Buenos Aires possui mais livrarias que todo o Brasil. Lenda ou não, é um sinal de que por aqui o livro é deixado em segundo plano.

         O problema do livro no Brasil são vários. Não há bibliotecas disponíveis para todos e quando elas existem, seus acervos nem sempre são atualizados e de qualidade. A leitura é incentivada em campanhas esporádicas de governos e setores da sociedade civil organizada, não se tornando política permanente de educação nas escolas. A pedagogia de estimulo à leitura na idade escolar é muitas vezes frágil, criando desde a infância o desapego pelos livros. Falta ainda para o Brasil políticas de incentivo a cadeia de produção livreira, que abrangesse os produtores de matéria-prima, os criadores, os editores e os livreiros.

          A Universidade Estadual de Londrina conta com sua própria editora e como tal acompanha os debates sobre a questão do livro no Brasil. Para falar mais sobre a editora, que realizou a primeira Feira do Livro de Londrina, e também sobre o mercado editorial e seus problemas, a professora Patrícia de Castro Santos, diretora da EDUEL na atual gestão, concedeu entrevista ao O Posições:

Qual a situação da EDUEL hoje?
A EDUEL vem crescendo nesses dois anos, que é período da nossa administração aqui. Já conta muitos títulos publicados, foi finalista nesse ano do prêmio Jabuti na área de teoria e crítica literária, maior prêmio de literatura concedido na América. Então para gente foi bastante importante. Enfim, a editora vem publicando e vendendo bem, o que é bom sinal, porque o que estamos fazendo está interessando; tendo prêmios, é o reconhecimento da qualidade, não só a parte comercial, mas de qualidade; conseguindo fazer eventos importantes, a feira é um evento importante; com lançamentos concorridos.

Qual a média livros publicados pela editora nos últimos anos?
A média desse ano está sendo de 3 a 4 livros/mês, que é uma média boa para as editoras universitárias. Não é a média da EDUSP (Editora da Universidade de São Paulo), a EDUSP é bem maior, mas é a média da editora da UNICAMP, da UFMG...

Os livros publicados aqui têm alcance nacional?
Têm um alcance nacional. Hoje temos uma rede de distribuição bastante grande, que atinge o Brasil todo com um pouco menos de eficiência no Norte e Nordeste, por uma questão de custo: o preço do frete é muito alto.

Quais os critérios para a publicação de livros pela editora, são mais professores, mestres e doutores?
O critério não é de titulação do proponente, o critério é de qualidade da obra indicada. A obra é apreciada pelo conselho editorial, que indica, caso seja aprovado nessa primeira consulta, um assessor para fazer um parecer externo, o que chamamos de parecer ad hoc. Todas as obras recebem dois pareceres. Com base nos pareceres o conselho decide se pública ou não.

A receita da EDUEL é reinvestida no desenvolvimento da editora?
Ela é reinvestida 100% na própria editora. A editora hoje conta com um número grande de estagiários. Desses, 10 recebem uma bolsa-estágio através do convênio entre a editora e a fundação. Tem investido em cursos para seus profissionais e para seus estagiários, então o investimento não é só no profissional da editora, mas também no estagiário, na medida do possível é claro. E têm equipamentos, reformas de espaço, adequação, fizemos agora reforma da livraria para atender melhor o público, para que as pessoas se sintam mais confortáveis no espaço do livro.

Os livros da EDUEL atingiram um patamar de qualidade. Eles têm um acabamento bom, um papel especial, mas ao mesmo tempo custam caro, de 25 a 35 reais em média. Isso não torna um pouco proibitivo o livro para uma camada mais ampla de leitores?
O problema do preço no Brasil não é porque o livro tem ou não tem qualidade. O problema do preço do livro no Brasil é o mercado. E o que estou chamando de mercado? O Brasil tem 20 milhões de leitores, para um país com nossa dimensão e população é muito pouco. Então o que acontece? Nenhuma editora hoje consegue fazer grandes tiragens. Onde você consegue diminuir o custo, o preço? Na quantidade. Você dilui o custo por uma quantidade muito maior. Há no livro um custo fixo. O papel não é fixo, mas eu tenho um custo de produção, que pouco importa se eu vou imprimir um ou um milhão, aquele custo é o mesmo. Este custo fixo, se eu tiver uma tiragem grande, eu vou diluir nessa tiragem e o preço cai. Se a minha tiragem for pequena esse custo vai ser diluído por uma tiragem pequena e o preço sobe
Agora, eu acho que essa coisa do livro caro é místico. Místico no sentido de senso comum, porque tão caro quanto o livro é o cd, o dvd, o ingresso de cinema, quer dizer, os bens culturais no Brasil são caros.

Daí entraríamos em outra questão, que é a cópia de livros. Como vocês, que fazem parte do mercado editorial, vêem isso?
Cópia de livro é crime.

Cópia de livro é crime, assim como cópia de cds é crime, cópia de dvd’s é crime, mas é muito difundida porque muitas pessoas não têm acesso a esses bens e fazem a cópia.
Isso é um círculo vicioso, porque na medida em que você tira cópia você não amplia o potencial comprador, então as tiragens continuarão sendo pequenas e o custo fixo será dividido, diluído, em uma tiragem menor. Junto com isso, e aí eu vou falar do livro, não há uma política de incentivo ao livro. Agora vai ser aprovada a Lei do Livro, mas a política de incentivo no Brasil é para o livro e só, ela não é para o livreiro, por exemplo. O Brasil tem mais editoras do que livrarias. O livreiro paga todos os impostos, o livreiro paga impostos como quem revende carros, então não é só o editor. Falta uma política de incentivo para o livreiro e ao lado disso você tem a questão da valorização do livro. O livro é caro? Você gastou trinta reais por uma coisa que você vai ter pela vida inteira. Você compra uma calça por trinta reais e ela dura três meses, um ano, mas a calça por trinta reais é barata na concepção de todo mundo

Então não seria um problema do livro, e sim um problema de leitores?
É um problema de cultura, uma questão de cultura. 

Mas para se começar a atingir um público leitor maior não teria que se partir de um patamar mais baixo, vendendo livros a preços mais populares para se conquistar o público leitor?
Acontece que o livro não brota dentro da editora, ele tem um custo. Quer dizer, o livro universitário já tem um custo subsidiado, ele é mais barato que qualquer livro, deveria ser mais barato que na Companhia das Letras ou que na Cosac e Naif. Onde é que eles conseguem chegar no nosso preço? A tiragem deles é maior porque eles atingem um público maior porque o público para o qual essas editoras trabalham é mais amplo que o das editoras universitárias, que trabalham para o público acadêmico, muito embora nossos livros não sejam livros para serem lidos só por que está na universidade, Isso é uma mística também..

Dentro da universidade, por exemplo, você tem uma biografia extensa. Cada curso tem uma biografia básica e não dá para se comprar todos os livros. É aceitável a cópia nesses casos?
Você está falando com uma editora e eu vou dizer pra você que para mim cópia de livros é inaceitável. Sempre foi

Aí seria uma questão de mercantilização da cultura, se é aceitável ou inaceitável?
Não concordo com você. Eu acho que quem produz o livro, quem publica, é a produção dele, ele tem o direito autoral. Porque você não pode fazer um carro da Ford no quintal da sua casa, igualzinho. Isso se chama espionagem industrial

Mas conhecimento e bem industrial têm o mesmo valor?
Mas bem industrial é conhecimento. Ele não brotou, alguém pensou isso. É o conhecimento do engenheiro, é patente.

O livro, principalmente dentro da universidade, onde a função é divulgar conhecimento, tem a mesma função de um bem?
Você tem hoje medicamentos genéricos e mesmo assim você paga por eles. Porque há alguém que cria e a função dessa pessoa no mundo é o que ela faz como atividade para sustentação, é isso, é produzir esse conhecimento. Quem é que vai sustentar essa pessoa se tudo que produzir não merece receber por isso? Quem é que vai pagar água, luz, telefone, roupa, comida, enfim?

Bibi Ferreira tem uma frase que é “não me peça para dar a única coisa que tenho pra vender”
É. Todo o resto é vendido. Porque o carro não brotou, o carro é conhecimento também. Eu peguei esse exemplo da Ford, mas é o carro, é a patente, é tudo isso. Essa é a produção do “cara”, é o que ele tem. Você tirar de um músico o direito dele receber pela música que ele faz, ele vai viver do que? Ele além de ser músico vai ter que ter outra coisa para sobreviver, porque sobre a música que ele faz, ele não tem direito? O artista plástico também. Quer dizer que isso não é profissão, ele não merece ser remunerado por isso? Você como jornalista será remunerado. Todos que estão aqui estão procurando uma profissão e ninguém aqui vai trabalhar de graça, porque o escritor vai trabalhar de graça, o artista plástico, o músico?

Você disse que o acabamento, ele não afeta o preço, mas um papel de menor qualidade não seria mais barato, não no mercado editorial, mas num projeto para aumentar o público leitor? Uma editora universitária não teria como fazer um projeto assim? O Governo do Paraná há alguns anos atrás fez alguns livros que tinham capa mole e papel jornal e eram vendidos a 3, 4 reais.
Tudo subsidiado, não tem livro que custe isso, mesmo que eu faça o livro em papel jornal o livro não vai custar 3, 4 reais. Esse custo está sendo subsidiado. Não estou aqui discutindo se isso é bom ou ruim, estou te dizendo que não existe livro a esse preço. Isso é impossível. Há algum subsidio por trás desse livro

Então, qual o caminho?
Eu acho que o caminho é, primeiro, ter uma política de incentivos.

À leitura, ao livreiro?
A tudo, ao processo, ao livro. E o livro envolve o que? O livro envolve o produtor, o livro envolve o autor, o livro envolve a indústria que está ao lado do livro, que é a industria gráfica, a indústria do papel e o livreiro. A política do livro tem que levar em conta todos atores que estão envolvidos com o livro. Eu acho que essa é a primeira questão para nós ampliarmos o público leitor, e por conseqüência diminuir o custo do livro. A segunda coisa é desmistificar essa coisa de que o livro é caro. O bem cultural no Brasil que é caro não é o livro. O espetáculo da Maria Rita custa na arquibancada trinta reais, por uma hora e meia de espetáculo.

O livro seria caro por ser deixado em segundo plano?
Sim

Nossa cultura valoriza mais a tv, o cd?
Eu acho que tem que valorizar. Não estou dizendo que o show da Maria Rita é menos importante que um livro. Acho que é tão importante quanto, o cd é tão importante quanto o filme que você vai assistir. Agora, nada disso é caro, o livro é.
Não vou discordar de você, até porque sinto dificuldades na hora de comprar todos os livros que quero, mas acho que é uma desculpa fácil, eu não leio porque o livro é caro é uma desculpa fácil. Você não lê porque o livro é caro, mas têm bibliotecas. Quem quer ler, lê. E a questão do livro tem outra coisa que cria dificuldades com os jovens: o livro exige dedicação exclusiva. Você não lê fazendo outra coisa. Você ouve música, faz uma série de coisas, mas livro você tem que se desligar do resto e se dedicar a ele, inclusive o teu corpo, porque livro você segura, não da pra sentar e olhar. Livro você tem que ler, você tem que segurar, você tem que folhear. Ele exige uma coisa que essa moçada mais nova tem dificuldade porque é mais agitada, é mais ligada, sintonizada em várias coisas ao mesmo tempo, não sei se tem essa disposição. Daí esse discurso fácil de que eu não leio porque o livro é caro. Acho que precisa parar um pouco e pensar porque efetivamente eu não leio. Porque a moçada tira xerox e não lê nem a xerox que tira. Então não é questão do livro, do preço do livro. Esse é o discurso mais fácil, e que cabe a gente que trabalha com livros desmistificar.

Á tempo: Há casos de sucesso no mercado de livros
A editora L&PM conseguiu ter sucesso mesmo vendendo livros baratos. Sua edição LP%M Pocket, de livros de bolso, tem preços acessíveis graças a uma estratégia de produção e logística. A editora foi inclusive, tema de uma tese de mestrado defendida na USP (Universidade de São Paulo) por Lívio Lima de Oliveira.


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