quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Éramos para ser Paraguaios?


Essa parte da história do Paraná não encontramos nos livros brasileiros. Porque será? Onde hoje vivemos, na região de Londrina, estava localizada a região do Guairá. Sua delimitações eram os rios Iguaçu (ao sul), Paraná (oeste), Paranapanema (norte) e o Tibagi (leste).
Seu nome teve origem num poderoso cacique guarani que dominava todo o território entre o rio Iguaçu e o Paranapanema, incluíndo o sul do Mato Grosso do Sul. Guairacá, como era conhecido, enfrentou e derrotou os espanhóis (Irala, Ñuflo Chavez, Alonso Riquielme, Garay, Hernandarias) nos séculos XVI e XVII (o que evidencia a possibilidade de ter existido mais de um cacique com esse nome), a quem é atribuída a frase "Co ivi oguerocó yara", que em guarani significa "Esta terra tem dono", duzentos anos antes da morte de Sepé Tiaraju.

Em 1554, por determinação de Domingos Martinez Irala, Governador do Paraguai, seu comandado, Garcia Rodrigues de Vergara, acompanhado de 60 espanhóis, fundou o primeiro povoado no Guairá, que foi denominado Ontiveros (mesmo nome da cidade natal de Irala, localizada na Espanha), uma légua acima dos saltos de Sete Quedas (a grande cachoeira), na margem esquerda do Rio Paraná, que logo seria completamente abandonado. Em 1556, Irala confiou ao capitão Ruy Diaz Melgarejo a fundação de outro vilarejo naquela região, a quem foi dado o nome de Ciudad Real del Guairá, instalado na foz do rio Piquiri, no rio Paraná. Seus primeiros habitantes somaram perto de cem espanhóis, originados de Assunção e Ontiveros, que, com isso, desapareceu.

Diferentemente do que ocorreu com Ontiveros, a Ciudad Real progrediu. Ali foi incentivado o plantio de gêneros alimentícios diversificados, a criação de animais e a exploração da erva-mate nativa, que chegou a ser comercializada anos mais tarde com algumas reduções jesuíticas do Rio Grande do Sul.

A Leste de Ciudad Real, em fevereiro de 1570, o capitão Melgarejo decidiu fundar uma nova comunidade, num lugar que imaginava existir ouro, porém próximo do povoado o único metal encontrado foi o ferro. Acompanhado de 40 homens e 53 cavalos, há 60 léguas da Ciudad Real, em terras do cacique Coraciberá, estabeleceu Villa Rica del Espiritu Santo. Lá mandou erigir uma cruz e uma igreja, ordenando a construção de uma fortaleza com cerca de 70 metros de comprimento por 10 de largura. Depois de traçar a estrutura urbana do povoado, o capitão repartiu entre os espanhóis terrenos para construção de casas dentro da vila e chácaras.
Em 1592, depois de mudar pelo menos três vezes de lugar, houve a transferência da Villa Rica, por ordem do capitão Guzman, para junto do rio Corumbataí, no Ivaí, onde se fixou.
A evangelização na região iniciou em 1588. O jesuíta Manuel Ortega, acompanhado por Tomas Fields, durante 16 anos, com algumas interrupções, atuou na Ciudad Real del Guaira, na Villa Rica, na bacia do rio Ivai até Santiago del Xerez, no Itatim. A primeira carta ânua do Padre Diogo de Torres, de 17/05/1609, registra que o Padre Ortega, no tempo em que andou pela região, batizou 22.000 índios, sendo considerado o primeiro evangelizador do Guairá.
Em fim de 1603 ou no início de 1604, o Padre Ortega foi chamado pela Inquisição de Lima e, ali chegando, foi preso em cárcere secreto, vítima de acusação feita em Villa Rica, a de violar o sigilo da confissão. Ortega somente foi liberado em 1606, quando o delator, um notário público daquela comunidade, arrependido, assumiu que o caluniara. Após esse período de prisão, ao Padre Ortega foi confiada uma difícil missão, de pregar para os índios Chiriguanos, no distrito de Tarija, no Peru, os que mais resistiam à envagilização e indomáveis às armas espanholas. Em 1622, com 42 anos de trabalho na Companhia, o Padre Manoel Ortega faleceu no Colégio de Chuquisaca.

A Província do Paraguai foi fundada em 1607 e, depois de 5 anos de ausência no Guairá, foi em fins de 1609, a pedido do Governador Hernando Arias de Saavedra, dirigido ao Padre Diogo de Torres, Provincial da Companhia de Jesus, que os Jesuítas voltaram para a região. Os Padres Joseph Cataldino e Simão Maceta para lá se dirigiram em 08/12/1609 e reiniciaram as catequeses nos povoados de Ciudad Real e Villa Rica Del Spiritu Santo e juntos aos índios naquela extensa região.

Em novembro de 1610, os jesuítas Cataldino e Maceta chegaram às margens do rio Paranapanema, por intermédio do sertão de Apuracarana, navegando pelo rio Pirapó, até a sua foz, e no encontro desses rios ergueram uma cruz e uma pequena igreja, em homenagem à Nossa Senhora de Loreto (área rural do atual município de Itaguajé-PR).

Após alguns dias de permanência no novo local, perceberam que nos arredores havia 25 aldeias indígenas, com cerca de 2.000 índios, com os quais poderiam estabelecer uma redução. A capela recém construída foi transformada em embrião de um novo povoado, que se tornou a capital das missões do Guairá.

Os Padres Cataldino e Maceta, ao tomarem conhecimento da existência de mais índios na região, seguiram o curso do Paranapanema e fundaram, onze quilômetros rio acima, a Redução de San Inácio Mini (Santo Inácio Menor), em 1611, na aldeia Ipaucumbu, na foz do rio denominado Santo Inácio, atual área rural do município de Santo Inácio/PR (essa redução abrigou o maior número de indígenas de todas as construídas no Guairá. Em 1620 contava com 8.000 almas).

Em princípios de 1612 se juntaram aos dois, os Padres Martin Javier Urtazu e Antônio Ruiz de Montoya, este iria se tornar, em poucos anos, o grande motivador e construtor das Reduções do Guairá, das quais, em 1620, foi nomeado Superior.

A pobreza e a falta de recursos materiais, principalmente de comida, dificultava muito a prática reducional. Inúmeros são os relatos sobre a adaptação que os jesuítas tiveram de fazer em relação à falta de alimentos, que tiveram que se habituar a comer o que os índios lhe davam (farinha de mandioca, batatas doce, bananas, abóboras e eventualmente carne de pequenas caças que recebiam). Quando da chegada dos padres Montoya e Martin, a miséria era tanta que Montoya registrou que não chegava a distinguir o remendo do pano original da batina dos jesuítas Cataldino e Maceta. Foram essas dificuldades que motivaram a morte do Padre Martin, de fome.

Com a morte desse Jesuíta, não foi possível aos padres restantes ampliar a área de atividade, que concentraram seus esforços no desenvolvimento e funcionamento de Loreto e San Ignacio.

Somente a partir do momento em que o Padre Montoya assumiu a direção dos trabalhos no Guairá, em 1622, é que os jesuítas voltaram a expandir suas catequeses. Nessa época atuavam na região os Padres Montoya, como Superior, José Cataldino, Simão Maceta, Juan Vaseo, Diego Salazar, Francisco de Ortega, Francisco Diaz Taño e Cristobal de Mendoza. Em seis anos, sob a liderança do novo Superior, foram fundadas mais onze povos sonsolidados (totalizando 13, que somados à redução de Santa Maria Maior, no rio Iguaçú, chegaram a 14, no Guairá):

San Francisco Javier, fundada em 1622, pelos Padres Antônio de Montoya e Simão Maceta, nas nascentes rio Tibagi (nascente do Tibaxiba, na aldeia Ibitirembatá, do cacique Ybyty, distante menos de 30 léguas do povoado de Villa Rica, possivelmente entre as atuais cidades de Santa Cecília do Pavão, Irerê e Londrina. Na redução ficou o Padre Maceta, enquanto Montoya continuou avançando.

San Jose, fundada em 1625, pelo Padre Antônio de Montoya, na margem esquerda do Tibagi, na aldeia Tucuti, dos índios Camperos, na passagem para a Redução de São Francisco Javier, possivelmente nas imediações dos atuais municípios de Bela Vista do Paraíso e Sertanópolis. Esse povoado foi fundado com a intenção de abrir um novo caminho que facilitasse a interligação e fosse um ponto de parada entre San Ignacio e San Francisco Xavier. Sobre ela Montoya escreveu "buscamos um posto, o estabelecemos por gosto do cacique principal junto a um riacho que desemboca no Tibagi, pelo qual será fácil a comunicação com a Redução de San Francisco Javier". Esse lugar quase foi abandonado, em vista da grande fome que o assolou. O Padre Francisco Ortega, cura da Redução, chegou a apelar para o Provincial para resolver esse problema.

Encarnación, fundada em 1625, pelo Padre Antônio de Montoya, na margem esquerda do Tibagi, na aldeia Ibatingui (ou Nhutingui), próxima do atual município de Telêmaco Borba, num trecho de solo fértil, rodeado por Araucárias, regado por um rio cristalino, que possibilitou a exploração de uma ampla variedade de hortaliças e milho. A fertilidade do local possibilitou que os jesuítas formassem um grande vinhedo, com três mil mudas. A redução foi formada com índios denominados de cabelludos, camperos ou coroados.

San Miguel, fundada em 1626, pelos Padres Montoya e Mendoza, no monte Ybytyrú, na margem direita do Tibagi, nas terras de Pataguirusú Oybytycoi, próxima da redução de Encarnación, provavelmente na região do noroeste de Castro e Ponta Grossa.

San Pablo, fundada no final de 1626/início de 1627, pelos Padres Antônio Montoya e Simon Maceta, na margem esquerda do Ivai (Yñ-é-Y), na aldeia Iguacura, do cacique Güyrebera, há dois dias de marcha da redução de Encarnacion e também dois dias da San Francisco Javier, próxima de Villa Rica, em local hoje desconhecido, no centro do Paraná. Apesar do otimismo de Montoya, quando fundou esse povoado, este apresentou sérias dificuldades para o experiente Padre Simon Maceta, que dela ficou responsável. As constantes investidas dos encomenderos espanhóis e bandeirantes portugueses obrigaram os jesuítas a adotarem medidas defensivas como, por exemplo, a construção de paliçadas para a defesa.

San Pedro, fundada em 1627, pelo Padre Antônio de Montoya, algumas léguas à leste do Tibagi, possivelmente nas imediações dos atuais municípios de Ivaiporã, Manoel Ribas e Grandes Rios;

Arcangeles ou Los Angeles, fundada em 1627, pelo Padre Antônio de Montoya e Salazar, na margem esquerda do Corumbatai; à direita dos rios dos Fachinais (origem: aldeia Taioba, dos índios caingangues e Cabeludos, em local isolado e de difícil acesso no centro do Estado, possivelmente ao leste do atual município de Ivaiporã). Somente depois de dois anos de tentativas é que Montoya conseguiu estabelecer essa Redução, pois eram terras do temido cacique Taiaoba, um dos principais da região do Guairá, que liderava antropófagos, gente muito guerreira, terror dos espanhóis. Nas proximidades dessa redução foi que Montoya encontrou vestígios da passagem de habitantes do Brasil, quando da fundação de Assunção, pelo Caminho do Peabiru.

San Antonio, fundada em 1627, pelo Padre Antônio de Montoya, na margem direita do Ivai, possivelmente nas imediações dos atuais municípios de Ivaiporã, Manoel Ribas e Grandes Rios.

Concepción, fundada em 1627, pelo Padre Antônio de Montoya e Diaz Taño, à direita do rio Iguaçu, próxima da nascente do Corumbatai, em terras dos Guananas, do cacique Co-Ën, na aldeia Ipiturapin. Ao sul de Villa Rica, próximo do Tombo, das minas de ferro.

San Tome, fundada em 1628, pelo Padre Antônio de Montoya, ao leste do rio Corumbatai, na aldeia do Cacique Pindobá, esta constituída de mais de 1.000 famílias, à esquerda dos rio dos Fachinais, afluente do Ivai (índios guaianazes/tapuias), próxima da Arcangeles, possivelmente nas imediações de Ivaiporã, Manoel Ribas e Grandes Rios.

Jesus Maria, fundada entre 1629 e 1630, a última do Guairá, pelos Padres Antônio de Montoya e Mendoza, na margem direita do Ivai ("nascente do Huybay" ), entre Arcangeles e San Antonio, possivelmente entre os portos Planaltina e São Carlos.

Santa Maria Maior, fundada em 1626, no rio Icarai, na margem direita do Rio Iguaçu e a esquerda do Paraná, bem afastada das demais, pelos Padres Diogo de Boroa e Cláudio Royer. Assolada pelos paulistas em 1633, transladou-se para as imediações do antigo povo dos Mártires, donde passou para melhor situação, à meia légua da margem direita do rio Uruguai.

A literatura que cita a existência de outras reduções além das que constam acima. O mapa de Juan de la Cruz Cano Y Olmedilla, cartógrafo do Rei da Espanha, de 1775, assinala também outras reduções no Guairá, como, por exemplo, Copacabana, no rio Piquiri; e Tambo, no rio Piquiri.

Outros autores acrescentam mais as reduções de Santana, no rio Ivai (transferida a população para a redução Los Angeles); Assiento de la Iglesia, no rio Ivai; e São Roque Evangelista, no rio Ivai.

Muito provavelmente essas últimas foram tentativas de consolidação de povoados indíginas, embriões das reduções jesuíticas, que não prosperaram.

Nas reduções de Loreto e San Ignacio Mini foram construídos templos melhores do que os que existiam em Assunção, na época. As igrejas contavam com órgãos e corais de índios, possuíam absides triplos e altares com retábulos pintados. Em ambos os lados das naves centrais das igrejas existiam filas de colunas com pedestais e capitéis, com pórticos e muitos ornamentos trabalhados em cedro.

Esses povoados dispunham-se em forma quadrangular, com ruas retas e casas funcionais. Cada residência tinha pátio com galinheiros. Nos campos cultivavam cereais e algodão, este utilizado pelos índios para a confecção de grande variedade de tecidos. Nas elevações viam-se bandos de ovelhas e cabras e nos currais vacas e mulas.

Os próprios jesuítas desempenhavam as funções de vinhateiros, carpinteiros, pedreiros e arquitetos, transmitindo aos indígenas os seus conhecimentos.

Até 1628, quando os bandeirantes de Piratininga passaram a atacar com mais freqüência as reduções do Guairá, elas prosperavam nos vales dos rios Tibagi, Ivai, Piquiri e Iguaçu, somando perto de 100 mil índios reduzidos.

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