quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A TV e o capitalismo como religião

Reproduzido do Brasil de Fato, 1/9/2009, título original "Telecatch nos templos do capitalismo como religião"

O Ministério Público acusou dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) de aplicarem recursos oriundos das doações de fiéis na compra de bens registrados em nome desses mesmos dirigentes. A denúncia desencadeou mais uma "guerra santa" entre Rede Globo e Rede Record. Em 1995 vimos um primeiro capítulo dessa cruzada. Na ocasião, um pastor desferiu um pontapé numa estátua de Nossa Senhora da Aparecida. Foi a senha para a comoção nacional. As mesmas denúncias de desvios das contribuições dos fiéis circularam, os pastores choraram ao vivo e alegaram perseguição religiosa.

A primeira questão que nos assalta é fruto da perplexidade. Como a sociedade brasileira permitiu que as organizações Globo e Universal, desmesuradas até nos nomes, penetrassem tão profundamente na nossa vida cotidiana?

A segunda indagação, mais complexa e ligada à primeira, tenta entender o que move, ou comove essa multidão, plugada nessa espécie de universo paralelo que, em ambos os casos, assume uma dimensão religiosa, sagrada, elegendo entidades beatificadas pela audiência global de um lado, ou atraindo incautos para as "correntes dos empresários" de outro?

Embora ambos os conglomerados atuem no mesmo mercado da capitalização dos corpos, das almas e do imaginário, existem diferenças importantes nos dispositivos de captura, que talvez ajudem a explicar as recentes cenas de telecatch (luta livre) entre as redes – o último round envolveu a compra do histórico documentário Muito Além do Cidadão Kane (1993) de Simon Hartog pela emissora do bispo Edir Macedo.

A Globo sempre preferiu utilizar uma espécie de anulação das diferença culturais, através de um arsenal estético homogêneo, compacto, plastificado, auto-referente, marcado por uma língua única.

Já os pentecostais e neo-pentecostais, investiram em outra abordagem. Na São Paulo do início dos anos 1980, os migrantes que chegavam de ônibus no antigo terminal rodoviário do Glicério eram recebidos por obreiros da "Igreja Pentecostal Deus é Amor", cujo público alvo era (e ainda é) composto pelas classes C e D.

O voluntário da igreja fazia uma abordagem meticulosa e milhares de recém-chegados eram cooptados, até pela falta de perspectivas mais alentadoras. Em seu templo principal na Baixada do Glicério, que hoje assumiu proporções épicas, havia um painel luminoso que piscava o nome das emissoras de rádio que transmitiam ao vivo as homilias do pastor Davi Miranda, fundador da igreja (que conta hoje com 520 templos, só na cidade de São Paulo).

Guardadas as devidas proporções, foi o que aconteceu com as demais igrejas neo-pentecostais, que diversificariam seus públicos e ampliariam a estrutura deste "franchising da fé", sempre através da mesma prática da ocupação dos vazios existenciais, das carências crônicas e aproveitando a imensa falta de espaços públicos para a socialização básica.

Entretanto, a partir do surgimento da Igreja Universal, passamos para um outro patamar. Seus empresários perceberam para onde o vento do espírito do capitalismo estava soprando. Enquanto a Globo insistia em rituais como o "show da vida", os neo-pentecostais jogavam pesado no "show da fé".

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