sábado, 15 de dezembro de 2007

Piranã - Parte II

Abaré era um nativo jovem e seu nome significa “companheiro do homem”. Ele conhecia muitas lendas locais. Dizia que a cidade tinha mais habitantes, atraídos pela imigração, há 30 anos, mas foram embora porque o município era envolto pela selva e isolado das outras cidades. Só era possível chegar lá, em dias de chuva, de barco ou de avião. Devido ao êxodo, era comum encontrar diversos animais, como onças, tatus, capivaras, cervos e lagartos, que andavam tranqüilamente pelas ruas. Foi numa dessas conversas que Abaré lhe contou a lenda da antiga civilização e como ela surgiu:“Quem me contou esta história foi meu bisavô, que escutou do bisavô dele, que nasceu há mais de 200 anos. Ele escutou a história da boca do seu bisavô, que soube dessa história quando era menino. Disse que o cacique da tribo Oxicana prometeu a mão de sua filha, Mré, ao guerreiro Hyn, da tribo Xancaran. As duas tribos viviam em harmonia e não havia guerras em ter si. Trabalhavam e se ajudavam mutuamente para gerar progresso. Tinham atividades políticas e culturais, celebravam o poder da natureza que com tudo os agraciava, desde os alimentos aos vestuários. Não existia religião nem injustiças.Mré, noiva da tribo guerreira, tinha um condor. Numa manhã, ao chegar da pesca, com outras mulheres, não encontrou o pássaro, de nome Piranã, e ficou preocupada. Tinha que alimentá-lo e o medo de que fosse embora e nunca mais voltasse era imenso. Preocupada, foi à tribo de seu noivo perguntar se alguém viu o condor ou enviou algum recado por ele. A resposta de Hyn foi negativa e isso a desolou. O casal foi para a floresta que dividia as aldeias procurar o pássaro, mas foi em vão. Aos prantos, a princesa não sabia o que fazer. Sentou-se num tronco e Hyn enxugou suas lágrimas. Na volta, ouviram uma voz alta perguntar o motivo do choro. Viram um homem alto, de cabelos negros e lisos, que tinha um alforje, vestia uma roupa preta e azul, parecida com um poncho, e, na mão direita levava um cajado. Seu rosto era marcado por pinturas tribais, feitas à base de cascas de árvores, ervas naturais e colorau, usado como tempero e corante.— Choro porque perdi Piranã. Grande índio, não vistes por aí um condor?Ele negou e falou que se Piranã for um amigo verdadeiro, voltará em breve.Tais palavras deram forças e esperança para a linda princesa que lhe perguntou seu nome. No entanto, ele não respondeu, disse apenas que conhecia o belo casal e, apesar de tudo, seriam muito felizes.— Como você nos conhece se nunca lhe vimos? — perguntou Hyn.O sábio disse que conhecia todos os seres do mundo, desde as menores plantas até o mais bravio guerreiro. Pelo fato do casal estar ali, no meio da mata, à procura de um pássaro, seriam agraciado pelas forças supremas.— Quem gosta de animais e da natureza tem muitas virtudes.Ainda triste, a princesa perguntou o motivo de ele estar na mata apenas com um alforje e um cajado. Naquele local, era fácil ser atacado por uma onça. Pela segunda vez, o misterioso nada disse e pediu segredo ao casal, porque ia revelar-lhes algo surpreendente. Eles balançaram a cabeça em sinal de obediência. Com isso, ele tira do alforje um tapete com o qual forrou o chão. Sentou-se e cruzou as pernas. O casal aproximou-se e fez o mesmo. Então, ele contou uma antiga lenda indígena."
"Há muito tempo, quando Tupã fez o mundo, havia somente a Terra sem vida alguma. Só existia água. Um infinito de águas. Tupã, o Todo Poderoso, Criador dos Céus e da Terra e do Universo, achou que o planeta devia ser habitado por homens, criados a sua imagem e semelhança. No alto de seu poder e sabedoria, concedeu infinitos poderes a Quará, o rei Sol, para que secasse um quarto da água que havia no mundo. Com isso, os elementos terra e água viveram em harmonia. Como havia barro em abundância, o Criador usou esta matéria-prima para fazer as criaturas. Tupã criou o homem do barro. Porém, ele não era forte, ao se molhar, desmanchava-se e virava terra. Se exposto a Quará, secava e tornava-se poeira que se esvai com o vento. Tupã, sem saber o que fazer, criou as árvores com seus frutos e embelezou a Terra. Descobriu que as árvores eram fortes, fixas no solo e não se moviam. Resolveu, então, criar o homem de madeira, que daria bons frutos e aroma com suas flores. Quando o homem-árvore começou a crescer e a florescer, disse ao Senhor que precisava caminhar para admirar a beleza da Terra. Tupã explicou que isso era impossível, pois, como a árvore, ele deveria ficar fixo na sua terra e dar bons frutos. O homem-árvore ficou triste e chorou. Suas lágrimas eram suas folhas, que forraram o chão. Clamou a Tupã que o fizesse de outra forma, nem de barro nem de madeira, mas que fosse forte, pudesse caminhar. Tupã lhe pediu que ficasse tranqüilo. Faria uma criatura forte sem que a água ou o poder de Quará o desmanchasse. Ele seria ereto e caminharia sobre a Terra. Tupã descansou e, no outro dia, de manhã, juntou terra, água e madeira. Com a mistura, fez um homem com costelas de madeira e órgãos de barro. Sua obra era perfeita e ele sabia que o homem não podia ser feito apenas com a madeira ou o barro, e sim com ambos. Com sua sabedoria, colocou a criatura em pé e assoprou no seu nariz. Aquilo que era madeira transformou-se em ossos e cada pedaço de terra virou uma célula. Este homem foi criado à imagem e semelhança de Tupã."

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