Simão sai de sua casa na periferia para mais um dia a procura de emprego, ou até quem sabe um trabalho. Todo o dia lê anúncios de jornais, vai a agências de empregos, envia currículos para empresas e metalúrgicas. Às vezes é chamado para testes e entrevistas, porém nunca passa e volta triste para casa. Órfão de pai encontra seu irmão mais novo com gripe e sua mãe deitada na cama devido a um derrame que a paralisou. A única fonte de renda para sustentar a família vem dum salário mínimo da pensão do pai, que morreu devido a problemas cardiovasculares. Não tendo emprego, sem artifícios ou modos para arrumar dinheiro e comprar comida, idealiza alternativas no crime para garantir o sustento. Pensava em realizar assaltos, furtos ou traficar. Era pensamentos que devia afastar para seu sofrimento não aumentar ainda mais, fazendo-o perecer anos na cadeia, ou encerrar sua vida, sem que esteja presente para cuidar da mãe e do irmão. Infelizmente Simão não é o único adolescente propício a entrar na vida do crime para “arrumar uma moeda”. A realidade do crime e do desemprego é notada em vários lugares, principalmente nas camadas mais baixas e pobres da população. Os mais pobres são duramente maltratados, discriminados e marginalizados por quem se encontra em diferentes posições sociais ou topo da pirâmide social. Os mais pobres são reconhecidos como exercito de reserva, onde a parcela mais rica se aproveita pagando baixos salários e aplicando duras restrições trabalhistas aos que temem perder o emprego. É nesta sociedade que a burguesia aproveita para meter a mão no que é público, através de barganhas e acordos com políticos que se cria o ambiente propício ao crescimento do crime como forma de sustento e trabalho para quem é discriminado e marginalizado. Consciente que é um sujeito pobre e parte da camada explorada pela burguesia, Simão sabia que os mais ricos são vítimas freqüentes de seqüestros e tinham as residências assaltadas por marginais inconformados com a situação da roubalheira contra os mais pobres. Não sabia o que fazer. Por mais digno que fosse a vida honesta, se via tentado a cometer um crime de grandes proporções que aparecesse até no jornal. Seria ele, Simão, com venda no rosto, fuzil em baixo do braço. Daria entrevista exclusiva na Globo após o seqüestro da dondoca. Dava risadas de papo para o ar e imaginava a dondoca deitada no chão cheio de baratas e ratazanas, comendo sobra de marmitex com garfo de plástico. Logo tentava afastar essas idéias da cabeça e se arrependia lembrando que o crime não compensa. Pensava novamente em arrumar um emprego honesto, não ir para cadeia ou morrer em confronto com a policia.
Simão foi testemunha. Viu amigos morrerem seduzidos pelo crime. Na lembrança jovens que um dia foram crianças e brincavam com inocência na época da infância. Quando adolescentes, estampavam os jornais com noticias sangrentas de tiroteios, assassinatos, tráfico de drogas, seqüestros, crimes violentos e hediondos. Lembrava com saudades do Marquinhos Bala. Camarada que ia junto para escola que e jogava bola na quadra. Bala era um sujeito legal. Malandro como si só, atuava como atacante. Sonhava ser jogador de futebol, ganhar dinheiro e atuar na Seleção Brasileira como Pelé, Zico ou Maradona. Tinha papo com as garotas e catava todas. Numa dessa conheceu uma burguesinha, a Patrícia. Ambos tinham 15 anos e começaram a ficar juntos. Ele morava na periferia e ela, filha de empresários, morava num apartamento do centro. Era loira dos olhos azuis e caiu na conversa do Bala. A Patrícia gostava de ir aos points da cidade e aprendeu a fumar maconha, no parque central junto com alguns boys. Acabou levando o M. Bala com ela. No começo ele relutava, mais para não perder a mina, se envolveu com as drogas. O pior ainda estava por vir. Logo se tornou dependente e a mina largou dele, porque na sua concepção, ele não lhe daria futuro algum. Bala adquiriu o vicio e não tinha grana para comprar maconha. Começou a traficar. Num dia em que as coisas não estavam boas para ele, Bala, numa disputa por tráfico de drogas acertou três tiros num cara da quadrilha do Santana e acabou matando o sujeito. O Santana, que era o chefe da quadrilha, jurou o Bala de morte e queria de tudo qualquer jeito fazer um acerto de contas e matá-lo. Num domingo à tarde, uns caras desconhecidos foram até a biqueira do Bala para comprar fumo. O chamaram e disseram que moravam no centro e que lá estava “magro”. Sem despertar a desconfiança, os caras perguntaram se podia fumar ali na frente da sua casa. A resposta foi afirmativa, os caras começaram a fumar e conversar trivialidades. De repente, quando Bala estava de costas para a rua e entretido na conversa, passa uma moto e efetua vários disparos no Bala. Foram vários tiros que atravessaram sua mão e a atingiram de cheio seu rosto. Nada pode ser evitado. Bala morreu agonizando numa tarde de domingo fumando maconha no meio da rua. Alvejado por vários disparos de arma de fogo, não deixou nada para a família, apenas desgosto e decepção. Quanto à droga, levou dele o que tinha de mais importante: sua vida.
Toda vez que pensava em fazer algo de errado, Simão se lembrava da figura alegre do Bala, grande atacante do time de salão, que teve a vida abreviada pelo tráfico de drogas. Era bom, mas pobre. Um dia sonhou que podia ter um futuro promissor nos campos de futebol. Deixou-se levar pelas falsas e mentirosas ilusões burguesas. Bala retratava o exemplo prático de que os jovens que se envolvem com drogas morrem cedo e sua trajetória confirmou as estatísticas que são nas camadas mais pobres e nas pessoas menos favorecidos, que a criminalidade tem poder de crescimento rápido. A afirmação é tão verdadeira e cheia de verdades, que se cruzarmos dados do desemprego, com o da criminalidade, chegamos à conclusão que ela cresce cada vez mais nas zonas periféricas dos grandes centros, conforme a proporção do número de desempregados. Para ser ter uma noção de como é baixa a oferta de empregos, uma agência de empregos numa cidade Latino Americana, com quase meio milhão de habitantes, atende a média de 450 a 500 pessoas por dia a procura de emprego. No entanto, a média mensal de contratação não chega a 300. Isso representa que nem 5% dos desempregados consegue trabalho. Ao tomar consciência dessas informações, ficava desesperado. Achava isso injusto. Sabia que não era qualificado. Procurou um curso para não ficar o resto da vida desempregado. Lia cartazes, murais dos terminais de ônibus, ia às escolas profissionalizantes, mas sempre achava uma dificuldade. Até num dia que ia a pé, em busca de emprego e vê um cartaz com vagas para curso técnico de mecânica e eletrônica. Matriculou-se com esperanças de concluir o curso e arrumar uma vaga no tão disputado mercado de trabalho.
Foram seis longos meses de estudo diário, ao qual se dedicava. Aprendeu a soldar, consertar aparelhos eletrônicos, executar projetos e até o registro profissional no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura. Seu esforço era tão grande, que ia a pé para o curso e dependia da comida servida na escola, que consistia em sopa, carne moída com polenta ou arroz com feijão e carne de soja. Não era algo de se reclamar. O alimento o nutria e lhe dava forças para estudar.
Com o canudo na mão, Simão procurava emprego, mas não conseguia. Ia de porta em porta, em metalúrgicas e fábricas em busca dum emprego. Tinha fé e antes de sair de casa, pensava consigo mesmo: é hoje que levo comida para casa. No entanto, junto com as esperanças, acabava o dinheiro que sua mãe ganhava para o sustento da família. Na sua cabeça turbilhões de idéias transformavam seus pensamentos. O que era ruim e afastou com o ingresso no curso, aos poucos voltava a sua mente, que agora era astuta e prodigiosa.
Num dia desses qualquer apareceu uma chance de ganhar dinheiro fácil. Voltava para casa após mais um dia exaustivo atrás de emprego, quando surge a sua frente dois amigos envolvidos no crime e especialistas na prática de furtos. Era o Dézinho e o Mama. Dézinho tinha a mesma idade de Simão e Mama era um ano mais velho. Estavam numa moto muito bonita que chamou a atenção de Simão. Sabiam que Simão fez curso de eletrônica e perguntaram se conhecia alarmes e coisas deste tipo. Mostrando interesse, Simão disse que sim.
- No curso me ensinaram a montar, desmontar, travar e destravar vários tipos de alarmes, inclusive os de residências e de carros. – Disse.
Satisfeitos, os bandidos perguntaram se ele gostou da moto. Ela era preta, tinha as rodas pintadas da mesma cor e algumas peças cromadas. Sem entender, ele diz que a moto era muito bonita. Dézinho pergunta se ele imaginava quanto valia a máquina. Falou que não fazia mínima idéia. Mama afirmou que foi comprada a vista por cinco mil e que se Simão quisesse, dava a moto para ele. Mas como? Imaginou. Mama sai da garupa e fala para Simão subir para darem uma voltinha. Simão colocou o capacete e subiu. Mama ficou esperando, Dézinho falou para Simão segurar e acelerou o máximo que pode. Pegou mais de 120 km/h. A adrenalina de Simão aumentava de acordo com a rotação do motor. Dézinho perguntou novamente para Simão se ele gostou da moto e queria ela de presente. Falou que sim. Mama disse que precisariam dum favor: desativar o alarme duma Pajero. A GrandCaravan valia mais de duzentos mil e seria vendida por cinqüenta mil no Paraguai. Dézinho falou para Simão subir na moto, pois iriam levá-lo para casa. Deveria pensar na proposta e de manhã passavam na sua casa para saber a resposta.
Simão viu muita gente se envolver no crime, ganhar dinheiro e até morrer. Via sua mãe doente em casa, mas alegre com sua chegada. Perguntou ao filho o motivo da demora. Respondeu que fez uma entrevista de trabalho e demorou porque encontrou uns amigos e parou para conversar.
Aquela noite foi diferente. Sua mãe falou para se aproximar, queria um abraço do filho. Estava preocupada. Mal sabia que o filho planejava algo. Quanto a Simão, que tinha no rosto um certo grau de preocupação, logo escondeu a face pela escuridão da sala e entrou no quarto para repousar. Inquieto e seduzido pela proposta, rolou a noite na cama. Não dormia. Nos pensamentos se via com um capacete preto com labaredas de fogo e uma roupa toda negra acelerando a motocicleta tão desejada. Voltava à realidade e sabia que roubar não era certo e dava até cadeia. Não sabia se deixava se levar pela cobiça e ganância, atingindo seus objetivos, ou agia honestamente, mesmo que não conseguisse nada em troca. Eram dilemas que pensava e que podia sair arrependido, seja qual fosse à decisão tomada.
Amanheceu e Dézinho, numa moto e Mama em outra, buzinam. Dézinho pergunta o que decidiu. Olhando nos olhos do amigo disse que não ia porque sairia em busca de emprego. Mama falou para deixar de ser burro e andar logo. Mais uma vez negou e disse que isso podia era arriscado e levá-los a cadeia. Insistiram e ameaçaram. Com medo, entrou para casa e esperou irem embora.
Um pouco arrependido por não fazer a “correria”, mas aliviado por levar uma vida digna, Simão sai de sua casa na periferia para mais um dia a procura de emprego, ou quem sabe um trabalho. Como todos os dias, preparou alguns currículos e foi mais uma vez caminhando atrás de um emprego, talvez hoje desse certo, pensava. Andou bastante, mais de quinze quilômetros. Deixou currículos em fábricas, lojas, metalúrgicas, empresas, agências de empregos, supermercados, fábricas de roupas, estabelecimentos com anúncio em jornal, transportadoras e onde mais visse possibilidades de contrato. Chega em casa, dá um abraço na mãe e liga a TV. Para sua surpresa vê Mama e Dézinho algemados no distrito policial. Esboçando reação de espanto, soube que foram interceptados e presos numa Pajero furtada. Ao ver a cena dos dois algemas, um peso saiu das costas e teve consciência de que tudo que fez, ou não fez, lhe custaria muito caro: sua liberdade. Isso não tem preço e é impossível pagar. Sabia que mesmo a conquista de objetos mais caros do mundo, não valiam mais que a liberdade do homem.
O destino nos arma cada coisa, mas não por estar escrito, mas conforme somos, porque somos nós que fazemos o nosso destino. Simão jantou e foi dormir pensando como arrumar dinheiro para comprar carne. Acordou de manhã pela vizinha que foi avisar que uma metalúrgica na qual entregou currículo, estava contratando para inicio imediato, pessoas com curso de eletrônica para atuar na linha de exportação. Naquele momento Simão viu que o homem honesto que se esforça e persiste nos objetivos, sempre alcança o que busca. Descobriu que os que tem prudência e paciência, de alguma forma recebem uma recompensa.
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