sábado, 12 de julho de 2008

Loteria Esportiva

Marinho era um cara trabalhador. Chegava adiantado no trabalho, era o primeiro a ligar o computador e digitar as notas fiscais da entrada e saída de mercadorias. Sonhava com o reconhecimento, a promoção e conseqüentemente o aumento de salário.
O tempo passava e Marinho continuava um exemplo, disposto e disponível para qualquer coisa. Sua dedicação era tanta que não se importava quando o chefe lhe pedia para executar funções extras. Se houvesse alguma irregularidade, lá estava ele solucionando o problema.
Economizava até o último centavo para comprar uma moto 150cc, uma de suas ambições. Muitas vezes o convidavam para tomar uma cerveja ou ir ao shopping, mas dizia que não ia porque precisava descansar. Mentira. Não passava dum pão duro e isso até atrapalhava suas relações sociais.
Ao perceber que ia demorar muito para juntar o dinheiro para comprar a moto e para a sua promoção sair, começou a pensar em outras formas de concretizar seus sonhos. Não podia fraudar o sistema, nem roubar, isso lhe custaria anos de prisão. Pedir emprestado também não, como ia devolver o dinheiro?
Marinho sabia que haviam pessoas que possuíam muitos bens materiais e outras em situação pior que a dele, pois nem tinham emprego fixo. Então, consolava-se, ao menos com a carteira de trabalho registrada. Sem alternativas, continuava economizando. Tinha consciência de que não valia a pena gastar mais da metade do seu salário nos botecos, numa boate ou para sair com uma garota que, no outro dia, nem se lembraria dele.
Mas havia algo que Marinho gostava muito e entendia com autoridade: o futebol Nos fins de semana, ia aos campos, acompanhava a rodada completa do Campeonato Brasileiro e não perdia os programas de debates na TV. Se não tivesse futebol, não haveria fim de semana. Na segunda, como de costume, encontrava os amigos e só falava disso.
O destino de Marinho quase mudou para sempre e quase, eu disse quase, ficou milionário quando foi pagar umas contas de casa. Como morava com a avó, ela, às vezes, lhe dava dinheiro para pagar a água e sobrava algum “troquinho”. Coisa mínima, como um ou dois reais. Ele juntava mais um pouco, até dar cinco, e depositava na caderneta de poupança, numa lotérica.
Neste dia, sua avó deu-lhe dez reais para pagar uma conta de R$ 8,50, ele podia ficar com o troco. Então, se lembrou de que, na próxima semana, ia acabar a Copa do Mundo e o Campeonato Brasileiro voltaria. Sabia que os times da ponta da tabela não queriam vacilar na primeira rodada, os da intermediária se esforçariam para alcançar os da ponta e os lanternas, devido ao desânimo, afundariam ainda mais. O prêmio principal da loteria esportiva pagava dez milhões acumulados e os ganhadores do segundo prêmio dividiriam dez mil reais. A diferença era muito grande, mas a aposta custava apenas um real. Não gastaria nada mais que isso.
Marinho pegou um bilhete da loteria. No alto da cartela, estava escrito: “Ganhe acertando os resultados de 13 ou 14 jogos!”. Isso era muito difícil porque havia times fortes enfrentando os fracos. Guardou o bilhete no bolso e foi embora, ia acompanhar pela TV e nos jornais como os times estavam se preparando. Isso lhe daria mais segurança para decidir em quem apostar.
Em sua casa, analisou o bilhete. Descobriu que a loteria esportiva funcionava assim: o apostador devia marcar o seu palpite para cada um dos 14 jogos do concurso, sendo as opções em coluna um, coluna dois e coluna do meio. Cada coluna representava um time e a coluna do meio significava que o apostador optou pelo empate. Caso optasse pela coluna um, ele coloca suas fichas no time que representa a coluna um e o mesmo exemplo serve para a coluna dois. Além disso, a pessoa tinha direito a um jogo duplo, que é a aposta em mais de um resultado num mesmo jogo e, se tivesse um pouco mais de grana, podia fazer mais duplos e triplos, que é a aposta em duas e três colunas. Independente do resultado, o apostador já estava garantido nos triplos. Além disso, o resultado do jogo apostado vinha impresso no bilhete. Não tinha como jogar errado, pensou.
No bilhete leu informações que o deixaram angustiado e tranqüilo. Soube que não estava cometendo uma infração, afinal, tinha mais de 18 anos e sabia que tudo o que fosse apostado, 7,95%, seria destinado a Seguridade Social, portanto, do seu um real, R$ 0,0795 contribuiria para acabar com o déficit da Previdência Social. Além do mais, 60% do valor total do um real, ou seja, R$ 0,60 não se destinavam à distribuição entre apostadores, somente R$ 0,40, o restante era revertido em impostos. Entretanto, descobriu que as chances de ganhar a bolada não estava somente na façanha de acertar os 13 ou 14 resultados de jogos de futebol, mas na probabilidade que tinha. Conforme estatísticas matemáticas, um simples jogo de um duplo, ao qual tinha direito, colocava-o na estatística de 1 para 85.415 se acertasse 13 jogos. O valor do prêmio era de 15% do valor de 40% das apostas. Caso fosse predestinado a ficar rico e acertar 14 jogos, levando 70% do valor total de 40% da apostas, Marinho seria um em 2.391.485.
E os outros 15%? Ele descobriu que este percentual ficava acumulado para os ganhadores que acertassem os resultados dos 14 jogos, mas em concursos com final zero e cinco. Marinho olhou para o bilhete e descobriu que aquela rodada seria a de número 5555. Estava acumulada.
Sabia que era extremamente difícil acertar o resultado de 14 ou 13 jogos. Mesmo assim, não desistiu. Gastaria apenas um real e poderia, quem sabe, acertar os 14 pontos.
Para ter mais certeza no que fazia, foi a um quarto nos fundos e revirou uma pilha de jornais velhos. Encontrou um do começo de julho que trazia resultados e a classificação do Brasileiro da Série A e B. Tirou o bilhete do bolso e avaliou time por time, pontos, campanha, vitórias, derrotas, gols, saldos e artilharia. Cada time possuía um fator positivo ou negativo. Com as informações, avaliou o favoritismo para cada partida.
Após muita análise, detalhou jogo por jogo e a campanha dos times que se enfrentariam. Seu jogo foi o seguinte:

Coluna 1 para CRUZEIRO X CORINTHIANS
Coluna 1 para SÃO PAULO X GRÊMIO
Coluna do meio para SÃO CAETANO X BOTAFOGO
Coluna 2 para FIGUEIRENSE X SANTOS
Coluna do meio para FLUMINENSE X JUVENTUDE
Coluna 1 e do meio para ATLÉTICO MINEIRO X SANTO ANDRÉ
Coluna do meio para BRASILIENSE X AVAI
Coluna do meio para ITUANO X PAYSANDU
Coluna dois para CEARÁ X MARÍLIA
Coluna dois para CRB X CORITIBA
Coluna do meio para VILA NOVA X SPORT
Coluna um para GUARANI X GAMA
Coluna um para ATLÉTICO PARANAENSE X FORTALEZA
Coluna um para INTERNACIONAL X PONTE PRETA

Suas apostas eram coerentes e, para não amargar uma zebra, apostou na coluna do meio, num jogo entre um time que disputa a ponta da tabela contra outro na beira do rebaixamento para a Série C: VILA NOVA X SPORT. Sabia que o Sport era favorito, mas, como “o futebol é uma caixinha de surpresas”, apostou na zebra e marcou empate. Quanto aos outros jogos, sabia que nada podia dar errado. Suas apostas foram em times que estão crescendo no campeonato e que não deixariam o título escapar. Tinha a impressão que os resultados haviam sido dados de mão beijada. Mas ainda não estava seguro em relação ao jogo entre o Vila Nova e o Sport.
No outro dia, Marinho trabalhou a manhã toda com um sorriso misterioso nos lábios, pensando no que faria se ganhasse a grana.
Meio-dia. Deu um real para a moça do caixa, que autenticou a aposta. Estava feito. Devia aguardar até quinta à noite, quando terminava a rodada, para saber se ia ou não ficar milionário.
Na quarta, voltou o Brasileirão. Como nesse dia o jogo não seria televisionado e havia teria que escutar pelo rádio. Mas por ironia do destino, o aparelho estava quebrado. Foi dormir, na esperança de que seus times ganhassem. No outro dia, angustiado, Marinho esperou o horário do almoço e, com o bilhete em mãos, foi a uma banca conferir os jogos. Acertou todos. Não acreditava que a rodada havia sido tão proveitosa.
Faltando apenas cinco jogos na quinta, Marinho despediu-se de Zezinho e foi para casa. Emprestou dois rádios e às 20 horas escutou a mensagem: “Encerra-se aqui a Voz do Brasil”. Sabia que, naquela noite, sua vida podia mudar. Faltavam cinco jogos, três estavam acontecendo e os outros dois começariam as 21horas e 45 minutos. Com dois rádios ligados para não perder nenhuma jogada, ouviu, com amargura, a vitória do Ituano sobre o Paysandú por 2 a 0. Não podia desanimar. Faltavam dois jogos: a derrota do CRB para o Coritiba e a aposta do empate entre Vila Nova e Sport. Quem sabe faria 13 pontos.
Quando os outros jogos começaram, tudo parecia sonho. No final do primeiro tempo, estava quatro a zero para o Coxa e o empate entre o Vila Nova e Sport parecia certo.
Aos 45 minutos do segundo tempo, o juiz apita o encerramento do jogo CRB 0 x Coritiba 4. Só faltavam três minutos para acabar o jogo entre o Vila Nova e o Sport e ele ficar rico.
Mas aquilo que parecia certo se transformou em apenas dez segundos. Quando o jogo estava para acabar, o Sport ganha um escanteio. Batido o cruzamento, a bola encontra a cabeça de Fumagali, atacante do Sport, que faz o gol, finalizando a partida e o sofrimento de Marinho: Vila Nova 0 x Sport 1. “Que azar”, pensou. Apostou certo, mas quando escolheu uma zebra, o time favorito faz o gol da vitória nos últimos segundos de jogo.
Convencido de que a vida nos reserva muitas surpresas e de que, no último instante, as coisas podem se transformar radicalmente, Marinho, hoje em dia, pensa muito antes de tomar alguma decisão ou mudar de opinião a respeito de algo que é quase certo. Aprendeu que o ditado “Nunca se deve mexer em time que está ganhando” é verdadeiro e criou um novo: "Nunca aposte no empate se um time está lutando para ser o líder da tabela".

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