domingo, 24 de julho de 2016

As relações da literatura com a música brasileira II

Retomamos o panorama da literatura com a música brasileira em relações tão ricas que surgem na forma de citações, elementos de linguagem, poemas inteiros musicados e hibridismo da música com a poesia e a prosa.                 

Ainda nos anos 80, situamos Paulo Ricardo como um letrista influenciado pela MPB e por nomes como Bob Dylan, Rimbaud, Drummond e John Lennon. A metáfora de suas letras permitiu que o protesto e a denuncia política viessem marcados pelo lirismo como em ‘A cruz e a espada’:
“Agora é tarde, acordo tarde
Do meu lado alguém que eu não conhecia
Outra criança adulterada pelos anos que a pintura escondia”.


Cazuza utiliza a ironia e as referências a seus ídolos como Luiz Melodia, Rimbaud, Allen Ginsberg, Lou Reed e Drummond como ponte para uma poesia cortante que ilustra bem as verdades fugazes e as desilusões políticas e ideológicas em nosso tempo. Na canção “Só se for a dois”, Cazuza debate o humanismo religioso e sua realidade nos quatro cantos do mundo.                            

Marina Lima tem uma relação forte com a poesia em estado puro. Ela musicou textos originais do irmão Antonio Cícero, numa parceria interessante, onde o filósofo carioca também produziu letras especialmente para a cantora.                  

O panorama da MPB tem um lugar especial aos letristas que colaboraram durante décadas com compositores: Bernardo Vilhena com Ritchie e Lobão; Fernando Brant com Milton Nascimento; Aldir Blanc com João Bosco; Vítor Martins com Ivan Lins e Alice Ruiz com Itamar Assumpção. Itamar é um nome fundamental da vanguarda paulista, mas viveu a infância e juventude em Cambé e desta saiu, aconteceu para o Brasil e para o mundo.            

O londrinense Arrigo Barnabé utiliza frases curtas e cheia de imagens (quase haicai). Nos anos 80 dedicou canções a Londrina, Tamarana e Ibiporã, aproximando a juventude universitária dos nossos costumes e cenários.                                  

Djavan é um caso especial de fusão da música calçada no samba e no jazz, cujas letras seguem o beat musical como Sina: “Pai e mãe, ouro de mina. Coração, desejo e sina. Tudo o mais: pura rotina: jazz!”. Suas canções românticas ao contrário produzem imagens únicas, como a cena que Deus cria galáxias e dinossauros para impressionar a amada do poeta em “Te devoro”.                     

Há diversas trilhas sonoras para TV, cinema e filmes baseados em livros em que o compositor opta por misto de canções e peças instrumentais. Nas canções, utilizam trechos de livros e traçam um perfil dos personagens como em Dona Flor (Chico Buarque); O tempo e o vento (Tom Jobim); Tieta (Caetano) e Sítio do Pica Pau Amarelo (Dori Caymmi).                                                       

Por fim, lembramos a emblemática “Lanterna dos Afogados”, de Herbert Vianna, compositor e letrista de grande qualidade. A letra fala sobre os pescadores que saem ao mar e nem sempre voltam. O risco é freqüente e as mulheres ficam aflitas, rezando e torcendo para ver o marido de novo. Para elas, a noite é longa e, sabendo da rotina, o medo sempre está presente. O nome Lanterna dos Afogados vem de um capítulo do livro “Jubiabá”, de Jorge Amado. O capítulo retrata o bar Cais do Porto, onde as mulheres esperavam os maridos com lanternas para ajudá-los a achar o caminho certo.

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