Quando ouvi essas palavras, quase morri de remorso. Mas quem está envolvido no mundo do crime sabe que esse sentimento jamais pode existir. Independente do que aconteceu, ainda estava com vontade de fumar um "beck". Não sabia o que fazer e a "fissura" era maior. Tomei coragem, arrumei uma bicicleta e fui na "boca de fumo". Na favela perguntei onde era a "biqueira". Disse que era ladrão e que gostava da "ervinha". Os malandros que estavam na rua riram da minha cara e disseram que era um cuzão, um mané e um otário.
- Aqui não vendemos maconha. Só vendemos pasta base de cocaína. O verdadeiro crack, a "nóia". Acho melhor você sair daqui com o rabinho debaixo das pernas, senão levará uns tiros e ficará até sem a cueca. Aqui ladrão não é considerado.
"Ralei o peito" rapidinho. Desolado e na maior fissura, entrei outra vez na favela, mas por outro lugar. As pessoas na rua, na maior parte menores de idade, disseram que sabiam apenas onde havia "nóia". Dei vinte reais e em cinco minutos um garoto trouxe a pasta base de cocaína. Como nunca havia experimentado ele me explicou o procedimento:
- Você dobra uma lata de alumínio no meio e a fura com uma agulha na lateral. Depois é só colocar cinza de cigarro na lata, o crack por cima e queimar com um isqueiro. Não se esqueça de puxar a fumaça pelo buraco que fica na tampa. No primeiro trago tive convulsões e em seguida uma alucinação. Aquela viagem foi demais! Desde então passei a roubar todos os dias para comprar "nóia" na favela. Fumava na lata, no cachimbo ou mesclada com maconha. A loucura era tanta que não me satisfazia apenas com uma pedra. Comecei a fazer assaltos audaciosos e comprar os "PC's", que são pacotes com dezoito pedras de crack. Minha mãe estava desconfiada de algo errado e a cada dia ficava magro e abatido. Se antes gostava de usar roupas de marcas e tênis Nike importado, hoje andava maltrapilho e aos farrapos. Tudo o que tinha havia trocado por droga na "boca". O que fazer? Até a Lúcia, minha paixão secreta, nem me olhava ou dava sorrisos discretos. Creio que ela sentia o cheiro estranho que vinha de casa e notara a palidez em minha face. Minha mãe via minha tumba e meu calvário e tentava em vão ajudar. Eu não dava valor a minha família. Para mim, o que mais valia era a emoção dos assaltos e a adrenalina das drogas...
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