No
mês da criança, vamos direto ao ponto: num país que clama por leitores e
formação de novos apaixonados pelo livro (esse objeto que leva ao sonho e ao
impalpável, culto da mente e da alma), iniciativas de grupos culturais pelo
Brasil contrastam em dificuldades e falta de estrutura com a editora paulista
Cosac & Naify (que fechou as portas este ano) e cuja direção, declarou
recentemente ter o interesse em incinerar cerca de 100 mil títulos. Uma das
mais importantes no mercado, a empresa argumenta que doar custa caro e ainda
acarretaria em diminuição futura no valor comercial de seus autores.
Ocorre
que o Brasil é grande e a doação destes títulos a bibliotecas, centros
culturais, coletivos e escolas públicas ajudaria na divulgação dos autores e na
formação de público para novos lançamentos. Pensamos ser fundamental estimular
o gosto pela leitura e torná-la acessível a todas as camadas e faixas etárias.
Reclamar que o Brasil é um país com baixo índice de leitura e ter uma atitude
deste nível é um enorme paradoxo. Tanto quanto divagar no valor comercial dos
autores no futuro e não avaliar o futuro de crianças e jovens impactados pelo
livro e com a cidadania e o alcance intelectual limitados pela falta de bibliotecas
e melhor estrutura nas escolas do país.
A
formação de leitores, o gosto pelo livro, música e artes ganha muito quando
começa na infância e se consolida na juventude. Estes livros (com produção
extremamente caprichada e de bom gosto) poderiam ser inseridos no cotidiano de
espaços culturais, comunidades e escolas e promover aventuras e paixões através
de enredos, versos e imagens. Pois quem nega a imensa e por vezes dolorosa
aventura em Clarice Lispector? A dureza estética e o sofrimento em Graciliano
Ramos? Ou as desventuras de Vadinhos, Tietas e Arcanjos nos textos
imprevisíveis de Jorge Amado? O que seríamos sem o universo mágico de Monteiro
Lobato, Ana Maria Machado e Ruth Rocha? Nesta matéria fina e tão sólida ao
mesmo tempo se concebem retratos do Brasil rural e urbano; lendas e nossa cara
de índio, negro e branco. Ainda mais: No Brasil, o rigor e a beleza da MPB e do
samba agregam conteúdo poético e estético a literatura. Obras para teatro,
cinema e muitos da nova geração completam os mares aos quais temos acesso e que
só podemos desfrutar com quando iniciados nas águas do livro, um batismo para o
que há de na cultura.
Num contraponto ao
anúncio da editora, projetos e coletivos culturais nos quatro cantos do Brasil
produzem leitores, autores e uma moçada politizada que quer discutir e ir de
encontro ao país real. Estas iniciativas sobrevivem de apoios, doações e da
clara certeza de seus realizadores de que fazem a parte para as mudanças que o
povo merece e precisa. No contexto das comunidades, o livro é ferramenta de
estudo, conhecimento, aventura e possibilidade de novas estradas para crianças,
adolescentes e jovens que enxergam na cultura o elo com a educação e a
cidadania para dias melhores e iguais para todos.
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