Era
cinco horas da manhã e novamente o despertador tocou. A rotina
começava outro dia afora. Nada além do normal: acordar, pegar o
ônibus lotado e escutar a conversa rouca das pessoas do dia que
tinha começado e da noite que a pouco se acabara. Ir ao trabalho e
esperar a hora do almoço para dormir um pouco nos mínimos minutos
que restavam, voltar a trabalhar e esperar a tarde chegar ao fim,
obviamente trabalhando muito para o tempo escorrer mais rápido. Ao
fim da tarde um banho e iniciar a nova marcha a escola. Era assim
todos os dias, a rotina incessante que maltrata as pessoas e as
desfigura do mundo, algo muitas vezes necessário.
-
Acorda! Dizia o despertou. Está na hora de trabalhar. Cuidado para
não se atrasar como ontem e levar uma advertência.
Era
a voz da minha consciência. Ontem cheguei atrasado e quase levei uma
advertência, por pouco. Se levasse minha ficha funcional
provavelmente estaria “suja” e quando tivesse a oportunidade para
uma promoção de cargo na empresa, provavelmente o atraso traria
grandes chances de não ser promovido. Levantei depressa, mas ainda
tinha sono, pois estudei até uma e meia da manhã devido uma
realidade: não conseguia passar no vestibular e me esforçava para
conseguir uma vaga na universidade pública. Levantei e fui tomar
banho. Enquanto me ensaboava, na minha cabeça passava um filme com
vários personagens, como a professora de literatura que conversava
com José de Alencar e explicava a origem do indianismo no Brasil.
Acordei em pé, acho que sonhava. Ia perder o ônibus. Tinha que
arrumar a roupa e comer algo.
Sai
rapidamente do banheiro e me troquei. Bem depressa saí correndo
comendo um pedaço de pão qualquer e levei sorte do ônibus estar no
ponto:
-
Ufa! Não chego atrasado hoje!
Embarquei
depressa e como em todas as manhãs tinha a impressão de que todos
olhavam para mim. Não podia ser paranóia ou coisa parecida, mas não
sei, as pessoas tinham em seus semblantes um olhar estranho, me
deixavam tímido. Devia me acostumar com aquilo, pois não tinha
grana para comprar carro e nem para tirar carteira de motorista, mas
deixa para lá, um dia tudo se resolve.
A
viagem de ônibus era difícil, parecia que todos entravam no
trabalho às sete da manhã e sempre escolhiam o ônibus mais lotado
para ir como uma lata de sardinha. O curioso era que muitos preferiam
ir na porta. Não sei porque, mas iam escoradas, talvez para serem as
primeiras a descer ou por outro motivo qualquer. Eu me enquadrava
nisso e tinha a preferência de ir na porta, talvez pelo mesmo motivo
de todos: ser o primeiro a descer do coletivo, correr para a
superfície e embarcar em outro ônibus. Se demorasse, provavelmente
já haviam chegado mais ônibus, trazendo mais pessoas para se
deslocar rumo aos seus trabalhos, aumentando o trânsito e
congestionando os corredores do Terminal Urbano. Os mais afoitos
desciam do ônibus alimentador e corriam para embarcar no que ia ao
centro. Muitas vezes o coletivo fechava as portas e os passageiros
ficavam do lado de fora, batendo na porta, reclamando e xingando o
motorista. Diziam para abrir a porta, senão chegariam atrasadas no
trabalho. Mas era impossível. Muitas vezes era impossível fechar a
porta do coletivo, de tanta gente que tinha lá dentro.
A
vida é assim: pegar ônibus, ir ao Terminal de bairro e novamente
embarcar no coletivo para o Terminal Central e pegar outro ônibus.
Neste último o aspecto era diferente. Iam pessoas que trabalhavam
comigo e havia maior familiaridade com elas. Mesmo assim, era
apertado. Devido a isso e com o passar dos tempos, fiz muitos
pensamentos e filosofei o porque dos ônibus sempre estarem lotados e
muitas pessoas ficarem na porta não sei fazendo o que, pois muitas
vezes descem num ponto longe e ficam na porta conversando. Não fujo
da regra, fico na porta conversando bobeiras, ainda mais se estiver
com amigos.
Após
descer do ônibus e entrar no local de
trabalho
era comum ir correndo desde a rua até o cartão ponto. Muitas
vezes
não era raro esquecer
o
cartão e havia a necessidade de fazer um comunicado por escrito para
trabalhar. Após tais procedimentos burocráticos, era autorizada a
entrada.
-
Bom dia Dayane.
-
Bom dia meu filho.
Lá
estava ela majestosamente, com mais de quarenta anos de profissão. A
idade não era revelada, mais desconfiava que tinha uns 70 anos.
Admirava suas histórias a respeito de casos clínicos e de como a
medicina era há alguns anos, com métodos de cura e tratamento, algo
diferente de hoje, pois as poções e emplastros eram comuns. Ficava
de boca aberta quando contava suas histórias. Certa vez disse que no
passado não existiam as construções de hoje e onde era o local de
trabalho havia um grande campo, onde ela passeava, ainda moça, de
bicicleta.
Disso
tudo, cheguei a conclusão de que os passam
e guardamos
na
memória as histórias de vida e amizades,
lembrando que cada pessoa e situação vivida tece uma espécie de
colcha de retalhos. Viva o hoje, planeje o amanhã e guarde no
coração as pessoas e momentos únicos vividos.
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