terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Conto: Somos feitos de pequenos momentos e de lembranças


Era cinco horas da manhã e novamente o despertador tocou. A rotina começava outro dia afora. Nada além do normal: acordar, pegar o ônibus lotado e escutar a conversa rouca das pessoas do dia que tinha começado e da noite que a pouco se acabara. Ir ao trabalho e esperar a hora do almoço para dormir um pouco nos mínimos minutos que restavam, voltar a trabalhar e esperar a tarde chegar ao fim, obviamente trabalhando muito para o tempo escorrer mais rápido. Ao fim da tarde um banho e iniciar a nova marcha a escola. Era assim todos os dias, a rotina incessante que maltrata as pessoas e as desfigura do mundo, algo muitas vezes necessário.

- Acorda! Dizia o despertou. Está na hora de trabalhar. Cuidado para não se atrasar como ontem e levar uma advertência.

Era a voz da minha consciência. Ontem cheguei atrasado e quase levei uma advertência, por pouco. Se levasse minha ficha funcional provavelmente estaria “suja” e quando tivesse a oportunidade para uma promoção de cargo na empresa, provavelmente o atraso traria grandes chances de não ser promovido. Levantei depressa, mas ainda tinha sono, pois estudei até uma e meia da manhã devido uma realidade: não conseguia passar no vestibular e me esforçava para conseguir uma vaga na universidade pública. Levantei e fui tomar banho. Enquanto me ensaboava, na minha cabeça passava um filme com vários personagens, como a professora de literatura que conversava com José de Alencar e explicava a origem do indianismo no Brasil. Acordei em pé, acho que sonhava. Ia perder o ônibus. Tinha que arrumar a roupa e comer algo.
Sai rapidamente do banheiro e me troquei. Bem depressa saí correndo comendo um pedaço de pão qualquer e levei sorte do ônibus estar no ponto:

- Ufa! Não chego atrasado hoje!

Embarquei depressa e como em todas as manhãs tinha a impressão de que todos olhavam para mim. Não podia ser paranóia ou coisa parecida, mas não sei, as pessoas tinham em seus semblantes um olhar estranho, me deixavam tímido. Devia me acostumar com aquilo, pois não tinha grana para comprar carro e nem para tirar carteira de motorista, mas deixa para lá, um dia tudo se resolve.

A viagem de ônibus era difícil, parecia que todos entravam no trabalho às sete da manhã e sempre escolhiam o ônibus mais lotado para ir como uma lata de sardinha. O curioso era que muitos preferiam ir na porta. Não sei porque, mas iam escoradas, talvez para serem as primeiras a descer ou por outro motivo qualquer. Eu me enquadrava nisso e tinha a preferência de ir na porta, talvez pelo mesmo motivo de todos: ser o primeiro a descer do coletivo, correr para a superfície e embarcar em outro ônibus. Se demorasse, provavelmente já haviam chegado mais ônibus, trazendo mais pessoas para se deslocar rumo aos seus trabalhos, aumentando o trânsito e congestionando os corredores do Terminal Urbano. Os mais afoitos desciam do ônibus alimentador e corriam para embarcar no que ia ao centro. Muitas vezes o coletivo fechava as portas e os passageiros ficavam do lado de fora, batendo na porta, reclamando e xingando o motorista. Diziam para abrir a porta, senão chegariam atrasadas no trabalho. Mas era impossível. Muitas vezes era impossível fechar a porta do coletivo, de tanta gente que tinha lá dentro.

A vida é assim: pegar ônibus, ir ao Terminal de bairro e novamente embarcar no coletivo para o Terminal Central e pegar outro ônibus. Neste último o aspecto era diferente. Iam pessoas que trabalhavam comigo e havia maior familiaridade com elas. Mesmo assim, era apertado. Devido a isso e com o passar dos tempos, fiz muitos pensamentos e filosofei o porque dos ônibus sempre estarem lotados e muitas pessoas ficarem na porta não sei fazendo o que, pois muitas vezes descem num ponto longe e ficam na porta conversando. Não fujo da regra, fico na porta conversando bobeiras, ainda mais se estiver com amigos.
Após descer do ônibus e entrar no local de trabalho era comum ir correndo desde a rua até o cartão ponto. Muitas vezes não era raro esquecer o cartão e havia a necessidade de fazer um comunicado por escrito para trabalhar. Após tais procedimentos burocráticos, era autorizada a entrada.

- Bom dia Dayane.
- Bom dia meu filho.

Lá estava ela majestosamente, com mais de quarenta anos de profissão. A idade não era revelada, mais desconfiava que tinha uns 70 anos. Admirava suas histórias a respeito de casos clínicos e de como a medicina era há alguns anos, com métodos de cura e tratamento, algo diferente de hoje, pois as poções e emplastros eram comuns. Ficava de boca aberta quando contava suas histórias. Certa vez disse que no passado não existiam as construções de hoje e onde era o local de trabalho havia um grande campo, onde ela passeava, ainda moça, de bicicleta.

Disso tudo, cheguei a conclusão de que os passam e guardamos na memória as histórias de vida e amizades, lembrando que cada pessoa e situação vivida tece uma espécie de colcha de retalhos. Viva o hoje, planeje o amanhã e guarde no coração as pessoas e momentos únicos vividos.




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