segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Cultura e reflexões sobre intolerância religiosa (Por Aldo Moraes)

“Por que com o tempo não volto os meus olhos para o que é novo?” Esta frase de William Shakespeare nos faz pensar que historicamente a cultura se coloca na vanguarda dos acontecimentos sociais e atua como referência de novidade artística e na defesa das minorias. No Brasil, a cultura também é depositário da memória de personagens e fatos ignorados pela história oficial. Ela ganha relevância quando tratamos da intolerância religiosa.                                              
Em nosso país, o advento da República separou religião e Estado, possibilitando maior liberdade de culto e manifestações que envolvem cultura e religiosidade. Apesar do avanço, a intolerância permaneceu como resquício do período de subjulgamento a escravidão, exploração e vidas sem história. Cidadãos sem cidadania, sem direito ao voto e a educação. E como pano de fundo, o preconceito e a intolerância.    
                                                                               
A cultura brasileira nasce da força e da identificação de seus criadores com a terra tropical: mitos, verdades e enfrentamentos. Por isso, a cultura se manifesta como defesa, descobrimento de problemas e soluções ao país.                 
O romance Tenda dos milagres (Jorge Amado) foca na intolerância racial e religiosa de famílias tradicionais que desconhecem sua origem popular e negra. O texto aborda o cotidiano de lutas e derrotas do povo que sofrem por conta do preconceito de homens poderosos da política e da policia, cujas conseqüências acompanham gerações e aos que não concordam com os abusos. O final da história é surpreendente: obriga os dois lados a repensar a vida e desenvolver o perdão e a boa convivência.   
                                                                 
Obras do Romantismo Brasileiro, como O Guarani (José de Alencar); Escrava Isaura (Bernardo Guimarães) e o poema O Navio Negreiro (Castro Alves) embora não tenham o foco na intolerância religiosa, mostram como ela afeta a vida social e a integridade física do perseguidos. Negros e indígenas se vêem sem lei que os protejam e as voltas com poderosos que são a própria lei.              
Do incompreendido culto dos índios brasileiros, do candomblé, umbanda e a visão do cristianismo humanista e social surgiram obras primas e gêneros musicais essenciais para o Brasil, como samba, jongo, ciranda e cantigas que dão dimensão única à canção nacional. Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Benjor, Raul Seixas, Chico César e Cazuza desafiaram convenções em músicas que desbravaram mistérios religiosos e intolerâncias em contexto afro, esotérico, budista e no hinduísmo.                                                             
Na TV, novelas também exploraram em releituras e textos inéditos a intolerância religiosa mostrando que os conflitos vêm do desconhecimento sobre o outro e que todas as religiões pregam a paz e a comunhão dos homens em amplitude universal. É o caso de A viagem (Ivani Ribeiro/1975); Sinhá Moça (Benedito Ruy Barbosa/1986); Pacto de sangue (Regina Braga/1989) e Porto dos milagres (Aguinaldo Silva/2001, baseado em Jorge Amado).                         
                                                                                                           
Recentemente o cinema trouxe a história de Besouro, capoeirista que vive aventuras e enfrenta perseguições para manter viva a cultura dos quilombos, já que música, dança e religião sofriam os mesmos revezes e tudo era proibido. Nos anos 60, o filme “O Pagador de promessas”, de Anselmo Duarte e baseado em Dias Gomes, trazia o drama de Zé do Burro e sua dura missão de agradecer o milagre recebido e não poder entrar na igreja, pois seu sincretismo foi duramente combatido. 

Assim, a cultura provoca debates e reflexões sobre os males causados pela intolerância religiosa e a necessidade de um pensamento mais próximo dos valores humanos.      






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