“Oh, vai rezar!”. “O seu Rafael, não estou me sentindo
bem. O senhor pode medir minha pressão?” “Vim agradecer por ter ajudado meu pai
a se curar.” “Muito obrigado seu Rafael pelo pirulito”. Nestes mais de dez anos
de jornalismo, nunca me deparei com uma pessoa tão querida e popular como o
Rafael da Farmácia. Ao fazer a entrevista, no seu local de trabalho, a Farmácia
Comunidade, eram comuns os pedidos de “fiado” para amanhã; um analgésico para a
dor nas costas e o mais surpreendente: famílias vindas de outras cidades, com
os olhos lacrimejantes, agradece-lo pelo cura de males como a picada de aranha
ou o ânimo a um idoso que já não tinha mais esperanças de vida. Assim é um
pouco a história de vida da liderança comunitária Rafael Nascimento de
Oliveira, o Rafael da Farmácia. Em 2 de julho de 1962, ele veio de Centenário
do Sul, com os pais Simão Roque de Oliveira, Lourdes do Nascimento e mais dois
irmãos, onde o progenitor iria trabalhar no plantio de algodão nas terras da
família Kogima, na Água das Abóboras.
Foram dois anos de trabalho árduo, quando em outubro de
1964, por indicação do comerciante de secos e molhados, Proença de Carvalho, o
pai de Rafael foi trabalhar como ajudante geral, na roçagem, capina, varrição e
limpeza, pela prefeitura de Ibiporã. O então prefeito era Ciro Ibirá de Barros
e no mesmo período sua mãe trabalhava na Comaves.
Nesta época, Rafael, aos seis anos de idade, mudou-se com
a família para a Vila Rosana, onde estudava no Rotary. Foi uma infância bonita
e inocente, onde as brincadeiras no poeirão das ruas sem asfalto variavam entre
o futebol, pipa, esconde-esconde, bolinha de gude, peão e outras mais. Ali, na
Vila Rosana, ele se destacava como um líder do grupo, ao organizar as
brincadeiras. Com tamanha agilidade, ganhou o apelido de “perninha”, devido ser
rápido no que fazia.
Sua trajetória de vida na Vila Rosana foi até os 11 anos,
quando a família se mudou, em outubro de 1969 para a Rua Parigot de Souza e,
aos 13 anos começou a trabalhar de entregador e balconista na farmácia do
Olegário Mendes Borges, ao lado do Hospital Santa Terezinha, ao mesmo tempo que
exercia a liderança popular organizando eventos comunitários e religiosos, como
as quermesses, festas juninas, julinas e bingos.
Aos 22 anos, ele se casa e foi morar no Serraia, onde
teve as filhas Rafaela, Regiane e Rebeca. Ali deu-se a organização, junto a
associação de moradores, da Festa do Caminhoneiro, em julho de 1979. Os
desfiles, que cortavam Ibiporã por mais de vinte anos, chegou a reunir mais de
500 caminhões, além de arrecadar fundos para a Igreja São Cristóvão, no
Serraia.
Já articulado politicamente, em 1983 compra um terreno na
região oeste, hoje Jardim San Rafael. “Na época não havia asfalto e as lâmpadas
nas ruas eram a cada cem metros. Mesmo assim fazíamos quermesses e reuniões em
terrenos vazios”, lembra.
Mostrando-se uma liderança, foi convidado pela diretora
Idalina Borsato a ser o primeiro presidente da Associação de Pais e Mestres do
bairro. “Juntávamos ferro velho, afim de obter benefícios aos alunos. Haviam
dificuldades, pois a população era muito carente”, diz.
Exercendo o papel de líder, ia atrás de melhorias ao
bairro. Foi assim que organizou-se a construção da Igreja San Rafael. “Era
preciso apoio da população para construirmos a igreja. Improvisamos um altar na
escola e para enchermos a “igreja”, íamos aos bairros, de ônibus, procurando
fieis para rezar”, cita.
Com o tempo, empresários e políticos aderiram a idéia,
dando início as doações. Para aterrar e nivelar o terreno, eram precisos 480
caminhões de terra. “Foi até engraçado. Pedimos as doações no meio da missa. Na
época, o então prefeito José Maria, levantou-se entre os fiéis e disse que
faria a doação. Porém, ele não imaginava que seriam 480 caminhões de terra.
Mesmo assim, ele fez a doação”, relembra o líder comunitário.
Hoje a Paróquia San Rafael é uma das mais bonitas da
cidade e na inauguração, um coral de Presidente Prudente veio cantar. Já o
padre Antônio Palermo, chamou Rafael ao altar e disse: “Já que o Rafael, junto
à comunidade, se esforçaram na construção desta obra, porque não a chamar a
capela de San Rafael?”, brincadeira ou não do padre, é certo que Rafael tem
muito orgulho de carregar o nome do bairro e da igreja.
Com os resultados, os esforços de Rafael para melhorar a
região não pararam por ai. O maior exemplo está na BR 369, próximo ao Santa
Paula. Ali haviam atropelamentos e acidentes com mortes. As autoridades ficaram
cientes do perigo, mas nenhuma medida concreta era tomada. Rafael tomou a liderança
e realizou um protesto que bloqueou a BR 369, das 16 às 21 horas numa sexta
feira. Ela só foi liberada após a negociação com o ex-governador Jaime Lerner.
“Foi um dos maiores protestos que aconteceu no Paraná. Demos 30 dias para o início das obras, senão,
iriamos parar novamente a rodovia. A obra foi executada e os acidentes nunca
mais aconteceram. Isto representa uma conquista”, ressalta.
Outra vitória, foi na rua Porecatu,
numa área de 1000 m², onde se localiza um fundo de vale. “Ali se formava uma invasão.
Solicitamos a retirada das pessoas e junto com as crianças do bairro foram
plantadas 1363 mudas de árvores frutíferas e outras espécies. Isto transformou
o local numa reserva ecológica”, cita com orgulho.
Mas, ainda há um fato marcante na
vida de Rafael: a criação do que seria a primeira farmácia popular. Foi ali, na
cozinha de sua casa, que existia uma farmácia comunitária. Durante a manhã
buscava doações e na parte da tarde fazia atendimentos, que já chegou a uma
fila com mais de 50 pessoas. “Atuamos na farmácia comunitária por mais de três
anos na cozinha de casa. Com quarenta anos de farmácia e formado em Técnico de
Farmácia, nunca vi algo parecido. Chamamos a atenção do poder público e com
isso nos doaram um terreno para a construção da farmácia. Tamanho foi o
reconhecimento, que em 2004 fomos ao Fórum Social Mundial, em Porto Alegre,
palestrar sobre as dificuldades que as populações carentes tem em obter
medicamentos”, ressalta.
Seu
reconhecimento não demorou a chegar. Com louvor, foi aprovada pela Assembléia
Legislativa do Paraná, junto a Universidade Estadual de Londrina, a lei que
instituía a primeira farmácia popular, assunto no qual debateu em 2007 nas 3ª
Conferencia das Cidades e expôs propostas para a disseminação das farmácias
populares pelo Brasil afora.