Ainda que o modelo do tele-evangelismo estadunidense tenha servido de inspiração inicial, o que se implantou por aqui não foi o estilo da ética protestante e o espírito capitalista, mas um modelo próprio, muito mais avançado e arrojado, que hoje é exportado para o mundo inteiro. Antes nos vangloriávamos de saber que a novela Escrava Isaura fora dublada em chinês. Agora temos o kit Universal completo para exportação, composto de templos neoclássicos, que já vêm com seus respectivos pastores expulsadores de demônios.
No Brasil, mais do que em qualquer outro lugar do mundo, esta fase do capitalismo como religião encontrou na televisão a sua dimensão, digamos, mais literal. E o arrastão continuou, porque o valor de exposição do capitalismo como religião opera por um mecanismo perverso de separação. Subtrai coisas, lugares, pessoas, culturas, valores, hábitos ao uso comum e as transfere para uma esfera separada, a da pura exposição (espetáculo).
Enquanto a Globo continua tentando se desvencilhar do passado, sem no entanto mudar a ética e a estética do seu discurso visual, a Universal, apesar de clonar o modelo de jornalismo e a teledramaturgia da Globo, já entendeu que entramos numa era do consumidor-produtor. A própria emissora da igreja, a TV Record, foi comprada com o dinheiro dos fiéis. São eles mesmos que atuam em muitos programas, principalmente através dos testemunhos, e assim a roda da fortuna gira, tendo como matéria-prima os próprios telespectadores, capital humano que mantém a estrutura funcionando.
No livro A Igreja Universal e seus demônios, o antropólogo Ronaldo de Andrade conclui, em relação à Universal, "que a debilidade dos vínculos com uma tradição religiosa e a simplicidade do discurso garantiram-lhe maior aderência a um mundo em mudança. Enquanto o catolicismo debatia-se teologicamente sobre como realizar uma missa pela televisão, a Igreja Universal, valendo-se cada vez mais da linguagem televisiva, penetrou nas casas, transmitindo, via satélite, suas mensagens, curas e bênçãos. Sustentando exorcismos e milagres sobre uma estrutura comercial eficiente, a Igreja Universal dilui noções como o arcaico e o moderno".
Talvez seja doloroso, mas é necessário constatar que, neste contexto, a Globo é a modernidade e a Universal é a pós-modernidade do capitalismo como religião.
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